Viagem do Tuiuiú


Edna e Jeannot  (tuiuiurio@uol.com.br)

Foi com o Tuiuiú Rio , segundo GP 30 a sair das formas, que fizemos a viagem.

O objetivo: dar a volta ao Atlântico, projeto ambicioso para um 30 pés, mas que foi realizado sem problemas pelo Tuiuiú. Foram 12000 milhas navegadas, 33 ilhas visitadas e dois anos de pura felicidade.

Saímos de Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, no dia 28 de outubro 2001. A bordo estávamos minha companheira Edna e eu, os dois ávidos de aventura. Subimos a costa brasileira com escalas nas principais capitais. De Fortaleza zarpamos para Cayenne, na Guiana Francesa. Saímos de Fortaleza uma hora depois de um barco francês de 40 pés e chegamos 1 hora depois. Foram 6 dias de navegação para percorrer 1000 milhas náuticas. Que velejada fantástica! A velocidade máxima foi de 10.4 nós no GPS, que mesmo com a forte corrente a favor nos deixou agradavelmente surpresos e muito orgulhosos de nosso barco. De Cayenne seguimos para Trinidad no sul do Mar do Caribe. De lá fomos para Cariacou. Foi emocionante a chegada em Cariacou; estávamos bordejando contra uns 20 nós de vento e vimos aparecer Tyrrel Bay, a boreste. Continuamos no mesmo bordo até a baia ficar um pouco atrás do través e cambamos. Meia hora depois a âncora CQR de 15 kg descia no meio daquela maravilhosa ancoragem. A água estava tão clara que se via lá embaixo, a 12 metros de profundidade, a âncora pintada de branco. Ali estavam finalmente as águas do Caribe: instante sublime! Quantas vezes havia desejado este momento quando estava construindo o Tuiuiú no clube São Cristóvão no Rio de Janeiro; e coisa engraçada, Cariacou , mais que qualquer outra ilha, representava a chegada no tão sonhado Caribe. Subimos, na maior parte do tempo, orçando contra os alísios de nordeste e parando em quase todas as ilhas, até a Ilha de St. Martin. Visitamos Union Island, Tobago Cays, Béquia, St. Vincent, Santa Lúcia, Martinica, Dominica, Guadalupe e finalmente, St. Martin. O Tuiuiú comportou-se muito bem; foi maravilhoso ver este GP30 bordejando bravamente nos canais entre as ilhas, onde o vento e o mar não são dos mais tranqüilos. Em St Martin preparamos o barco para a travessia do Atlântico: compra de um epirb, instalação de um novo parque de baterias, etc...etc ... Enfim, saímos de St Martin no dia 22 de maio 2003 rumo ao norte; o mar neste dia estava bastante agitado e o vento de nordeste soprando na casa dos 25 nós. Estávamos numa orça não muito confortável. Depois de tantos dias trabalhando duro para preparar o barco, estávamos exaustos e com o mar agitado, Edna sofria de enjôo. Olhando a carta vi as Ilhas Virgens Britânicas bem ao nosso oeste; para ir lá era só arribar e nós iríamos com vento na alheta, numa posição bem mais confortável. Finalmente resolvi ir até as Ilhas Virgens para esperar melhores condições e descansarmos um pouco. Acabamos ficando 5 dias naquele paraíso. Visitamos "The Bath", um maravilhoso parque nacional marinho na Ilha de Virgem Gorda. Das Ilhas Virgens zarpamos no dia 28 de maio, com vento de sudeste de 15 nós e um mar lindo, ainda melhor, sem termos que colocar o motor. Empurramos o Tuiuiú, abrimos a genoa e devagarzinho deixamos o Caribe, rumo ao desafio. Destino: o Arquipélago dos Açores. A primeira travessia do Atlântico Norte feita por um GP30: foram 2400 milhas percorridas em 22 dias. Depois dessa velejada maravilhosa, no dia 19 de junho, chegamos em Flores, a ilha mais ao norte do arquipélago. Posição: 39.50 graus de latitude norte e 31.09 de longitude oeste. Nós tínhamos bastante medo desta travessia, pois ao norte da latitude 30 costumam passar fortes depressões. Ainda em St. Martin escutávamos pelo rádio SSB os amigos que estavam cruzando o Atlântico Norte e alguns passaram por maus momentos, um deles chegou a perder o mastro na passagem de uma frente fria. Todas as noites conseguíamos preciosas informações meteorológicas pelo rádio SSB e também pela Rádio France International, que emite um boletim diariamente às 11:40 UTC. O SSB nesta época só recebia e infelizmente não emitia, mais todas as noites estávamos pendurados na freqüência do Rafael para escutar os comentários dos barcos que estavam na nossa frente. Com cálculos apurados e uma boa dose de sorte, passamos bem entre o anticiclone dos Açores e as depressões que ficavam ao longo da costa americana . Nesta travessia usamos bastante a gennaker (vela usada até o máximo de 15 nós de vento) e em 22 dias só usamos 70 horas de motor. Não paramos nas Bermudas que era a única escala possível; passamos 400 milhas ao leste. Ficamos quase 50 dias nas ilhas portuguesas dos Açores; das 9 ilhas, visitamos 5: Flores, Faial, Pico, Terceira e São Miguel. Logo em Flores conhecemos 3 famílias de franceses que estavam viajando de catamarã e foi na companhia deles que visitamos este paraíso. O povo dos Açores é realmente muito hospitaleiro; vendo a bandeira brasileira as pessoas batiam no costado do barco e perguntavam se precisávamos de alguma coisa; em todas as ilhas fomos muito bem recebidos. A ilha de Flores é realmente um deslumbre. Há flores por toda parte, as estradas são ladeadas por verdadeiras muralhas de hortênsias de onde saem dezenas de coelhos. As separações entre os pastos também são feitas com hortênsias. Vulcões, cascatas, grutas, caldeiras térmicas sulfurosas, lagos coloridos, são apenas algumas das maravilhas dos Açores. Depois dos Açores fomos para o Arquipélago da Madeira ; ali, a primeira ilha visitada foi Porto Santo, uma ilha desértica, mas que possui uma praia de areia branca de 6 km, maior atração da ilha. Os habitantes da Ilha da Madeira, que não têm praia, costumam passar o verão em Porto Santo, aproveitando aquela praia linda. De lá partimos para Funchal, capital da Ilha da Madeira, onde ficamos por 2 semanas na marina (era a terceira marina em que ficávamos durante a viagem). Depois seguimos para o pequeno porto de Machico na costa sul da ilha. De Machico fomos direto para outro arquipélago, agora espanhol, o das Canárias, onde chegamos, em 31 de agosto, pela Ilha de Graciosa, depois de uma velejada sem problemas e sem vento... Que sonho, chegar naquele paraíso azul! A ilha tem uma paisagem semi desértica, embelezada por falésias abruptas e altas montanhas, que lhe conferem um grande charme. No Arquipélago das Canárias visitamos ainda as ilhas Lanzarote, Las Palmas de Gran Canária e Santa Cruz de Tenerife. Ali tivemos contato com algumas maravilhas da natureza, como as estruturas vulcânicas de Lanzarote, que nos deram a impressão de estarmos em outro planeta. Também é o caso em Tenerife, do vulcão "Teide", um parque nacional magnífico, onde podemos ver formações, cinzas e as impressionantes marcas das lavas de vulcão descidas de seu pico. Fantástico! Para nossa alegria, em Gran Canária, encontramos um representante técnico da Furuno e consertamos nosso rádio SSB, que a partir de então, passou a emitir. Foi uma emoção entrar na freqüência da D. América, falar com amigos velejadores e conhecer tantos outros novos. Conhecemos também a freqüência do Daniel que emite de Paris e que dá informações meteorológicas para uns 50 velejadores franceses ; altos papos nas ondas.... Nas Canárias nos preparamos mais uma vez para fazermos uma outra travessia, agora para o continente africano. Destino: Dakar, no Senegal; 800 milhas para o sul. A travessia durou 9 dias e passou-se não sem fortes e deliciosas emoções. Já no segundo dia de viagem, pegamos um mar revolto, com vento, felizmente, de popa mas com ondas que chegavam a 6 metros de altura e que quebravam num barulho ensurdecedor. Uma noite inteira ao lado do leme, pronto para intervir, no caso de uma orçada durante os surfs . Tuiuiú descia as ondas como se fosse sobre trilhos; o leme de vento revelou-se de uma sensibilidade incrível e corrigia perfeitamente as gingadas do barco. Mais uma vez, o Tuiuiú mostrou-se bravo e resistente, dando-nos confiança e confirmando a segurança de se navegar no GP30. Assim, em 14 de outubro de 2003, jogávamos âncora na Baia de Dakar, em Hann Plage. Era mágico chegar à África. Novamente a sensação de um mundo completamente novo a ser vivido... Ficamos 3 semanas em Dakar. Estávamos no Ramadan , o mês santo dos muçulmanos e tivemos oportunidade de conhecer as práticas religiosas do Senegal. O país é carente, explorado e sofrido, mas exótico e colorido. Os africanos, sobretudo dos vilarejos, são encantadores; eles ainda mantêm a prática de interessantes costumes tribais. Apesar de conviverem com a dura realidade a que estão expostos, como a pobreza e a malária, eles guardam uma bravura impressionante; isto reflete em sua postura, em seus gestos e no brilho de seus olhos. Um mundo à parte! De Dakar partimos rumo ao Arquipélago do Cabo Verde. Foram três dia orçando contra um vento Norte. Entramos a leste, pela Ilha de Sal, aproximadamente a 280 milhas a noroeste do Senegal. Também de origem vulcânica, as 10 ilhas que compõem o arquipélago são lindas. O povo é de uma gentileza extrema. A navegação é dinâmica e impressionante nos canais entre as ilhas, onde há zonas de acelerações e as rajadas chegam, às vezes, a mais de 40 nós de vento. No Cabo Verde ainda conhecemos as ilha de São Nicolau, São Vicente e Santo Antão. Em São Nicolau passamos o maior sufoco na ancoragem, que ficava ao pé das montanhas e era alvo de rajadas homéricas, que nos fizeram desgarrar tão somente por 6 vezes. Um exercício e tanto...; Na ilha de São Vicente, ficamos ancorados na calma Baia de Mindelo, onde pode-se encontrar o essencial em termos de apoio aos navegantes. O espetáculo ficou por conta da Ilha de Santo Antão: magnificamente verde, rica em água e cultivada; ali fizemos uma esplêndida caminhada de 6 horas pelo interior da ilha, em companhia de uma família francesa com quatro crianças, que conhecemos na freqüência do Daniel. As imagens de Santo Antão estão dentre as mais belas da viagem. Foi de Santo Antão que partimos para o Brasil na manhã do dia 28 de novembro de 2003. O destino era Fernando de Noronha: 1400 milhas na proa do Tuiuiú. Durante a travessia nós tínhamos que passar pela zona de convergência intertropical, que fica passeando na altura do equador. Às vezes, mais para o sul, outras, mais pelo norte. Nesta área não costuma ter vento, mas os pirajás podem ser violentos. Felizmente graças às informações do Daniel e da Mara, do "MaraCatu", nós conseguimos passar na parte mais estreita desta zona, descendo ao longo da longitude 25 oeste. Demoramos 3 dias para reencontrar os alísios de sudeste, que sopraram de entrada na casa dos 20 nós. Um riso na grande, 1 metro de genoa para dentro e o GP 30 devorava as milhas, na media diária de 110. Todos os dias entrávamos em contato na freqüência da Dona América com Marcos Tadeu , skipper do "Bona Pachá", que estava levando o barco do mediterrâneo para Salvador . E foi ele que nos sugeriu uma escala explêndida: Penedos de São Pedro e São Paulo, a 300 milhas ao norte de Fernando de Noronha. O pequeno arquipélago: são alguns rochedos perdidos no meio do Atlântico. Marcos nos deu a posição GPS da poita do barco que da apoio aos corajosos pesquisadores dali. São grupos de geólogos que se revezam a cada 15 dias e moram numa casinha anti sísmica construída sobre os rochedos. Foi a Edna, emocionada ao ouvir falar português, que fez o primeiro contato rádio com o barco de apoio. Neste paraíso tivemos o privilégio de assistir a um verdadeiro balé das arraias jamantas, que literalmente planeavam naquelas águas azuis safira. Nós iríamos direto para FN nesta orça que não acabava mais e foi ótimo poder parar uma tarde para conversar com aqueles simpáticos pesquisadores. Estávamos de volta ao querido Brasil.