A VIAGEM DO VELEIRO BWANA - PASHA (NOV-DEZ 03)

INTRODUÇÃO

Apresentamos um relato sucinto do traslado do veleiro "BWANA-PASHA" de Barcelona na Espanha à Salvador na Bahia, viagem transcorrida entre os dias 11 de Novembro e 26 de Dezembro de 2.003. Apresenta-se informações retiradas do livro de bordo e croquis de navegação que possibilitam uma análise do desenrolar da viagem, do comportamento e desempenho geral da embarcação e das condições de mar e tempo encontrada no trajeto.

A EMBARCAÇÃO

O veleiro é um beneteau moorings 510, construído na França em 1995. Destinado inicialmente às atividades de charter, possui apenas o equipamento básico para velejar, favorecendo o conforto interno com uma boa capacidade de reserva d'água, quatro suites e acomodação para dois marinheiros, numa cabine no triângulo de proa. As características principais são:

Comprimento total: 51 pés
Boca: 4,80 m
Calado: 1,85 m. (quilha em asa)
Deslocamento de projeto: 16 toneladas
Motor: perkins 85 hp c/ 2 alternadores
Reserva de diesel: 500 L ( 2 x 250L )
Reserva de água: l .000 L ( 4 tanques )
Equipamentos principais: piloto autohelm 7.000; 2 gps ( l no cockpit ); l radar raytheon para 16 milhas; 2 VHFs marca icom ( l portátil ); l rádio SSB Icom m700; guincho elétrico goyot para corrente de 13mm; 2 geladeiras; bote inflável de 3mts; fundo rígido e targa para iça-lo.

TRIPULAÇÃO

MARCOS T. DALCOLMO ( skipper )

MÁRIO D. SILVA

ANTÓNIO RICARDO DE PILLA

MARCUS E ROSE PINHEIRO ( proprietários, viajaram no trecho entre Barcelona e Alicante na Espanha)

ELIZABETH IRISH' STEPHENSON ( embarcou em Lãs Palmas de Gran Canária, até Salvador)

A VIAGEM

Saímos de Puerto Ginesta, uma marina cerca de 30 milhas ao sul de Barcelona, num dia nublado e frio mas com mar calmo nesse "lago" traiçoeiro que é o velho medi. Tivemos ventos variáveis força 2-3, com períodos de calmaria, ou seja, um bom teste para o motor, até à cidade de Alicante, onde arribamos para o desembarque de Marcus e Rose.

Após abastecimento de água e diesel voltamos ao mar, que continuou calmo e com bom tempo até o dia 14, quando amanheceu nublado, barômetro em queda e vento firmando contra, vindo de SW. Diante das evidências do tempo piorando, achamos prudente procurar abrigo no porto de Garrucha, já no sul da Espanha. Chegamos à tarde, o tempo tornou-se encoberto... mas o vento SW continuou fraco. Estava em dúvida de arriscar até o próximo porto, cerca de 30 milhas, quando passou ao lado um casal de alemães em dois caíques, ela com um marreco na popa (do caíque), em direção à saída do porto. Após breve aceno nos dizem que estão indo para Gibraltar! Diante disso tomo a decisão e mando largar as amarras do 51 pés, rumando para S.José, logo antes do Cabo da Gata, onde passamos a noite abrigados do temporal que afinal aconteceu.

Daí rumamos para Gibraltar usando vela e motor, e com um pouco mais de rpms, visto as previsões de ventos até força 9 para a área de Albaran, onde navegávamos.

Em Gibraltar passamos dois dias que foram gastos nos preparativos para o Atlântico, o que incluiu inclusive uma troca da adriça da grande, vistoria geral e manutenção básica do motor. Largamos dia 19 de Novembro às 1Ohs para negociar as correntadas e os humores gerais do famoso estreito, que no entanto esteve bem comportado, com uma boa visibilidade e tráfego normal. No meio da passagem, trocamos acenos e votos de boa viagem com a fragata N.E U27 Brasil, em missão de adestramento de novos oficiais.

Depois do Cabo Espartel, no extremo NW do Marrocos, rumamos para Lãs Palmas, Ilha de Gran Canária. A princípio velejamos bem, ao largo da costa marroquina, com um vento de norte a NE força 4, às vezes 5, mas que foi diminuindo, dando lugar a uma calmaria que com o barômetro em baixa e aumento de nebulosidade armava o cenário para o show de mau tempo que viria.

O mar começa a se formar pela manhã do dia 21, vindo de SW e a previsão de SW força 3-4 é aumentada para 5-6, localmente 7, mas passando para oeste e caindo para força 3-4. A principio então, era coisa de aguentar com vela grande mais motor ou em capa, por algumas horas e depois seguir caminho; mas numa conversa via SSB com o Rafael da "rueda de los navegantes" avaliamos a situação e ele aconselhou uma arribada para o porto marroquino de Agadir, cerca de 120 milhas ao sul... algo difícil de alcançar visto as condições que lorde Netuno já impunha naquele momento: raios, trovões, vento c/ rajadas acima de 40 nós e mar de 3 a 4 mts. tudo pela proa... Propus o porto de Safi à 60 milhas pelo través BB perguntando, já que não dispunha de carta detalhada, se o caminho era livre de bancos, recifes, plataformas etc. Ele confirma a rota livre e o WPT da entrada, conhecera o porto no seu tempo de comandante de longo curso. Diante das condições, à meia noite, colocamos o vento pelo través BE, que então ameaçava levar nosso "dog house" improvisado, e rumamos para o Marrocos, com um veleiro de bandeira americana e que Alá nos proteja!

Aterramos ao amanhecer, com visibilidade de um quarto de milha, sob forte chuva e marulho alto, mas fomos ajudados pela visão de um cargueiro que negociava lentamente sua saída do porto. Aí ficamos por 3 dias à contra bordo, nos esfregando numa draga enquanto o vento que chegou aos 8 ou 9 beaufort, fazia sua dança de SW ao NW.

Com a melhora do tempo retomamos nosso curso para as ilhas Canárias tendo como avarias a fixação na genoa, junto ao enrolador e a ocorrência de uma "borrasca" intestinal na nossa brava tripulação. Não escapou ninguém! Lãs Palmas na ilha de Gran Canária é realmente um bom porto para aprovisionamento e reparos no barco, mas a veleria do "puerto desportivo", nos fez esperar 3 dias para o reparo na genoa. Diziam que eram os únicos a consertar velas no arquipélago, o que absolutamente não é verdade, como descobrimos depois, quando a genoa tornou a rasgar-se na testa, ao ser içada com vento forte. Tivemos que mandar refazer o "macarrão", e teríamos esperado mais uma semana, se não tivéssemos descoberto um francês que nos fez o trabalho em uma noite.(clique aqui para ver o croqui do trecho Barcelona - Canárias)

Partimos finalmente de Lãs Palmas às l l:30hs do dia 03 de Dezembro, na direção das ilhas do Cabo Verde, levando mais um tripulante, uma simpática holandesa de 34 anos: Elisabeth I. Stephenson, que nos acompanhou até Salvador. Tínhamos a intenção de seguir direto para o Brasil, evitando a escala em Cabo Verde, mas os ventos fracos obrigaram um uso maior do motor, e tivemos que aportar em Mindelo na ilha de São Vicente para repor diesel, aproveitando para renovar provisões de produtos frescos, e água, conseguida com certa dificuldade. Às 17:30hs do dia seguinte, ou seja, 18hs depois de chegarmos, já estávamos de partida para a última perna até o Brasil.(clique aqui para ver o croqui do trecho Canárias - Cabo Verde)

Na área dos ventos alíseos, antes da zona de calmarias, tivemos períodos de belas velejadas impulsionados por um NE força 4 a 5 e o barco alcançava médias de 7 nós, chegou a surfar acima dos 10 nós. A pescaria foi também proveitosa neste trecho. Não tivemos desta vez, a presença da famosa poeira fina do deserto, que misturada ao sal e a "gosma" deixada no convés pêlos peixes voadores que aí tombam, forma uma "lama" escorregadia sobre o barco.

A zona de convergência intertropical começou no paralelo 6° norte com chuvas, relâmpagos, ventos variáveis fracos com rajadas e mar calmo. Estas condições se mantiveram até os 3° norte, aproximadamente, perfazendo uma faixa de cerca de 180 milhas. Seguiu-se ventos fracos de SW e sul, correntada contra, e o esperado reeencontro com os alíseos do SE, à partir do paralelo 3° norte.

A linha do Equador foi passada às 04:08 do dia 19 de Dezembro, com toda a tripulação no cockpit brindando com um pró-seco especialmente gelado para a ocasião. Tivemos belas velejadas, as melhores da viagem, até o paralelo 5° sul aproximadamente, e peixe não faltou na nossa linha, garantindo inclusive a base da nossa improvisada ceia de natal, ao largo de Aracaju.(clique aqui para ver o croqui do trecho Cabo Verde - Noronha)

Chegamos às 4:00hs do dia 26 de Dezembro.(clique aqui para ver o croqui do trecho Noronha - Salvador)

Obrigado mais uma vez, MOANA.

COMUNICAÇÕES / PREVISÕES METEOROLÓGICAS

Usamos principalmente o VHF no mediterrâneo para as previsões de tempo, mas estivemos em contato diário via SSB com o Sr Marcus Pinheiro em Curitiba, através da frequência da D" América (13.983 khz).

Contamos também com a ajuda do francês Daniel, que lidera uma net para veleiros em travessias na frequência 13.960 khz, no início da manhã. Rafael e sua "rueda de los navegantes" (14.358 khz), foram consultados até as Canárias, quando então ficamos cientes das novas condições para a utilização do acompanhamento: basicamente uma taxa anual de 500 euros.

Todos os dias ouvíamos as rádios: Mônaco (8.806 khz às 09:30 utc) e RFI (15.300khz às 11:40 utc) com os boletins meteorológicos para as áreas do Atlântico norte.

OS NÚMEROS DA VIAGEM

Partida de Barcelona: 12 de Novembro de 2003
Chegada em Salvador: 26 de Dezembro de 2003
Total dos dias de viagem: 44 dias
Dias efetivamente navegados: 31 dias
Total de milhas navegadas: 4.241
Média geral de velocidade: 5,73 nós
Uso do motor (locomoção+carga de baterias): 427 hs
Total de diesel gasto: aproximadamente 1.300 L
Consumo médio: aproximadamente 3.10 L / hora (5-6 nós de velocidade)
Custos principais: diesel - € 620
                        marinas - € 191
                        conserto de vela € 170
                        alimentação (mercado) € 717

Rio de Janeiro , 22 de Março de 2004

Marcos T. Dalcolmo
S K I P P E R