RELATÓRIO DE VIAGEM

Delivery entre a França (St. Gilles) e o Rio de Janeiro do veleiro "Zen ", um beneteau Oceanis-Clipper, 393, casco número 429; lançado no dia 5/8/2002. Viagem transcorrida nos meses de agôsto e setembro de 2002.

Proprietário: Vinícius Milane Budel
Tripulação: Marcos T. Dalcolmo (skipper)
                Marcos Melo
Convidados: Luiz Perez  (França - F. de Noronha) e Lázaro (Recife - Rio de Janeiro)

Abordamos a embarcação em St. Gilles, na costa Atlântica da França, cerca de 50 milhas ao norte de La Rochelle, em 8 de agôsto. O veleiro encontrava-se atracado ao cais flutuante e já com os trabalhos de aparelhagem da equipe da Beneteau encerrados. Notamos a falta da luz de marcha à motor e das telas contra mosquitos das gaiutas. Reclamamos e fomos prontamente atendidos. Instalamos a luz e supervisionamos a instalação do radio VHF e da antena no topo do mastro.

• Completamos o equipamento básico do barco com mais alguns itens e o preparamos para a viagem, ou seja: a proteção do mobiliário e estofados, pisos e mesas. Do lado de fora, a proteção para as cruzetas, esticadores, balaústres, etc. Com os mantimentos, água diesel necessário à bordo, partimos com boa previsão meteorológica no dia 14 de agosto às 13:30 hs.

• O Golfo de Byscaia mostrou-se tranquilo, a motor, a maior parte do tempc. Decidimos por uma escala em La Corunha (Esp) para evitar ventos fortes e contrários na Costa da Morte, segundo anúncio via VHF. Sob forte nevoeiro entramos na baia e atracamos. Aproveitamos para reabastecer de diesel e água, conseguir uma boa previsão meteorológica para os próximos dias, reapertar estais e checar o barco.

• Zarpamos no dia 17/08 às 16:00 hs mas voltamos ao porto às 24:00 hs devido a uma falha na fixação do traveller (os parafusos de BB da peça, não foram, apertados na fábrica) que soltou-se do lado BB ao caçar-se o grande. No porto, com ferramenta adequada , retiramos o teto e apertamos a peça.

• No dia seguinte ás 11:00hs soltamos as amarras com destino às ilhas Canárias via Ilha da Madeira mas com ventos fracos e as previsões para continuar assim pelos próximos dias, optamos por arribar em Peniche ( Portugal ) e providenciar uma boa reserva de combustível.

• A partida de Portugal no dia seguinte, foi sob forte nevoeiro e nesta condição atravessamos a congestionada linha de tráfego ao largo do Cabo Carvoeiro com muita vontade de ter um radar a bordo.

• A viagem neste trajeto foi em geral, com ventos fracos e favoráveis, aumentando justamente, ao aproximar-mos das ilhas. Em uma manobra algo desastrada quebrou-se o olhai ( alumínio fundido ) na ponta posterior da retranca.

• Chegamos em Lãs Palmas no dia 26 de agosto que é o lugar ideal para a manutenção e o provisionamento da embarcação. A autorizada Volvo veio a bordo para revisão do motor e a primeira troca de óleo e filtros. Aí também, estivemos com Rafael da " Ruedas de Los Navegantes" que nos deu a honra de sua visita a bordo

• Partimos novamente no dia 28 de agosto e logo estávamos surfando num mar de três a quatro metros provocado pelo efeito do vento acelerado pelo relevo entre as ilhas. Força de 6 a 7 com rajadas de 40 nós ou mais. O tráfego movimentado obrigava às vezes o uso do VHF para marcar nossa presença entre os navios. O jaibe da grande reduzida ao 2° rize era iminente. e por isso foi bom ter equipado o barco com um freio de retranca, permitindo as cambadas controladas. Mesmo com esse reduzido pano, fizemos 167 em 24:00hs, o recorde da viagem.

• Neste trajeto tivemos sempre a visibilidade reduzida por uma poeira muito fina, amarela, trazida pelo vento Harmatan que sopra do continente Africano. A poeira colando-se ao sal do barco mais o "bombardeio" de peixes voadores deixaram o convés bastante escorregadio e as velas amareladas. Um peixe voador entrou pela vigia da cozinha e já caiu sobre a madeira de cortar legumes e carnes!

• Nas ilhas do Cabo Verde, onde chegamos 6 dias depois, ancoramos em Mindelo, na ilha de S. Vicente que é o porto principal do arquipélago. Ancoragem nada confortável devido ao NE com rajadas de 30 a 40 nós provocadas pelo afunilamento do vento entre as colinas que cercam o lugar. Depois de completarmos o diesel água e viveres frescos, voltamos ao mar com um bom vento de NE, mas que foi passando para a proa final do dia seguinte.

• Nestas latitudes, entre os 15° N e os 5° N e a leste dos 34° W, mais ou menos, é onde costumam ser formados os ventos de característica ciclônica que podem dar origem, em seu caminho para oeste às tempestades tropicais do Caribe.

• A predominância dos vento passou a ser de SW, caracterizando a monção regional, provocada pelo desvio dos alísios de SE, que ao atravessarem o equador são atraídos para preencher uma baixa pressão estacionada sobre o Senegal. A zona de convergência intertropical e suas calmarias não se fez notar desta vez, e o tipo de tempo foi o de chuva e rajadas periódicas, ou as chamadas ondas tropicais.

• Os alísios típicos apareceram ai pelo paralelo 4° N, e velejando rápido não demoramos a ver o Brasil nos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, na manhã do dia 13 de setembro. A linha do Equador foi passada às 21:00 hs. do mesmo dia, e Fernando de Noronha foi alcançada no dia 17\9.

• De Fernando de Noronha para Recife a viagem foi algo "esportiva" com vento SE (120°) soprando de 20 a 25 nós, do través para a proa com um mar de 3 metros e vela grande no 2° rize mais um terço de genoa. Nessa condição, com ondas quebrando no convés, apareceu um vazamento bastante incomodo, provavelmente pelo respiradouro, cuja tomada de ar já partira ao mar e encontrava-se portanto, vedado com sua tampa original. A água coma pelo teto e vinha pingar sobre a mesa de navegação que teve de ser bem protegida.

• Partimos de Recife na manhã do dia 20/9 e após o cabo de St° Agostinho colocamos a proa para os Abrolhos. Dai tivemos belas velejadas com ventos de leste para nordeste ao longo da costa. Foi preciso alguma sorte com certas traineiras ancoradas sem iluminação e sem vigília, mesmo na rota de navios. Uma delas ficou por bombordo, sob o pau spinaker, quase!...

• Para monitorar as frentes frias usamos o telefone por satélite (iridium) falando principalmente com a sala rádio do ICRJ (Flávio e sua equipe) ou fazendo "ponte" com amigos velejadores e escutando na frequência da dona América. No entanto, a vontade de chegar e o "acho que vai dar" impediu que evitássemos uma, logo após os Abrolhos onde paramos brevemente para dar uma nadada e para olhar as baleias.

• O vento SW chegou com relâmpagos, trovões e chuva pesada mas não forçou durante a noite, o fez na manhã seguinte, quando virou para S e SE e chegou aos 25nós, levantando uns 3m de onda. Ai falou alto o Volvo de 55hp, usado em baixa rotação (l 700rpm), a grande nzada na 2a forra, sem genoa, com proa bem espetada no vento. Negociando assim, alcançamos o bom abrigo do Porto da Aracruz Celulose, à 24 milhas ao norte de Vitória. Nesta noite perdeu-se o indicador do vento do topo do mastro. Observou-se a presença frequente de baleias tipo Jubarte neste trecho. Ficamos aí ancorados junto aos barcos de pesca por 30 horas e assim que o mar acalmou largamos para uma etapa final até o Rio de Janeiro. A principio com pouco vento, mas, chegando em "grande estilo", surfando num nordeste após Cabo Frio, em asa de pombo a 8nós.

• Amarramos o "ZEN" na Marina da Glória às 00:30hs do dia 29 de setembro, o primeiro a chegar dos 6 Beneteaus que partiram de St. Gilles na mesma semana.

• Obrigado "MOANA"! *

 

Eletrônica embarcada

Piloto automático: Elétrico-hidráulico: B&G Wind e Quad
Speedometro: B&G
GPS/Plotter: Furuno
VHF: Icom
Rádio Receptor SSB: Sangean ats818
Telefone por satélite: Iridium

COMUNICAÇÃO/PREVISÃO METEOROLÓGICA

Estações/frequências utilizadas
"La Rueda de Los Navegantes":
 14.358khz, todos os dias às 22:00hs UTC; telefone do Rafael: 034 928297088
Dona América: 13 982khz, diariamente às 18:00hs, local
Radio Mónaco:
 17.323khz às 9:30hs UTC (Atlântico Norte)
Radio France Internacional: 17570, 15.300khz , às 11:40hs UTC (Atlântico Norte e Caribe)
Telefones: (021 )2543 1015 - Sala de rádio do ICRJ
(041)3622626 - Jaime e seu programa meteorológico mundial via INTERNET

LISTA DE PROBLEMAS / OCORÊNCIAS

• Ainda em St. Gilles tivemos que comprar outra antena para o VHF. A que veio só poderia ser instalada no púlpito, prejudicando o alcance

• O cabo elétrico do repetidor VHF no cokpit não foi suficientemente longo e por não acharmos outro adequado no mercado local, optamos por deixar a instalação elétrica interrompida no interior do cofre BE de popa.

• À caminho foi necessário um reaperto de estais em La Corunha onde tivemos também que fixar o traveller que não fora devidamente aparafusado na fábrica

• Vazamento de água salgada e doce pelo teto, provavelmente pelo respiradouro.

• Vibração na porta de visita ao motor, na cabine de popa. Facilmente corrigido com o uso de um calço macio

• A mesa do salão não estava bem fixa, devido à folgas na junção dos pés com o assoalho.

• Quebrou-se, como no PICUIÚ, a pequena trava tipo ferradura no eixo da roda do leme, que serve para freia-la.

• Quebrou-se por mau uso, numa noite de ventos, um olhal na ponteira de alumínio fundido no extremo posterior da retranca. Encomendou-se outra peça a IMS no dia 2 de setembro.

• Vela grande: optamos por não usar o "lazy Bag" porque suas talas roçavam as costuras da vela e ameaçavam rasgar o tecido da bolsa. Descosturou-se em parte, a bolsa da 2a tala devido ao contato com "lazyjack" principalmente ao rizar a vela

• O cabo do 2 rize sofre atrito na saída da retranca, junto ao mastro. Achamos que as arestas dessas passagem devem ser limadas, arredondadas, para não provocar o rompimento do cabo.

 

RESUMO TÉCNICO

 

Total de milhas percorridas: 5213' (GPS)
Total de dias gastos no percurso: 46 dias
Total de dias efetivamente navegados: 39 dias + 11hs (947hs)
Média horária: 5,61 nós
Total de horas de motor: 346hs (locomoção + carga de energia)
Consumo médio de diesel: 2,17 litros (total de 750 litros)
Motor: Volvo D 255 HP

CONCLUSÃO

A viagem foi um bom teste geral para o "ZEN" que apresentou alguns problemas derivados de falha na revisão final, mas que foram ou são facilmente corrigíveis. Na vela grande, os problemas ocorridos talvez nem se façam notar no uso "normal" do veleiro. No entanto é bom ter o cuidado ao tomar rizes desde o "conforto do cockpit" sem uma verificação ao pé do mastro. Além das qualidades já decantadas deste barco, com cerca de 450 cascos produzidos em 2 anos, queremos ressaltar o comportamento impecável da parte eletro-eletrônica.

Niterói, 1O de outubro de 2002
Marcos T. Dalcolmo

*- Das ilhas da Polinésia: a imensidão e os mistérios das profundezas oceânicas... (lato sensu)

 

Seguem os croquis usados durante a viagem: