RELATOS DE VIAGENS


 

Diário 4 (Abril/2000) - Recife, Maceió e Salvador

Amigos, estamos agora na baía de Todos os Santos curtindo a hospitalidade baiana e as ótimas ancoragens nesta que é a maior baía do Brasil.

Vista Aérea de Suape - PernambucoSaímos de Recife no dia 14/02/2000 com destino ao porto de Suape, 30 milhas ao sul. Estava sozinho no barco pois o Ricardinho teve que ficar no Rio para resolver alguns problemas. Fazendo companhia, o Taai-Fung II com a Egle e o Ivan. O MaraCatu, apressadinho, já tinha seguido na frente. O percurso até Suape foi feito a motor e vela pois o vento, além de fraco, estava contra. A chegada em Suape é muito tranqüila pois foi construído um porto artificial, bem balizado, protegido por um molhe. Após entrar na área do porto é que a coisa começa a complicar. Para se chegar a ancoragem mais tranqüila, é necessário navegar por trás da linha de recifes, muuuito próximo a eles, depois seguir por um canal marcado com umas balizas fixas e finalmente alinhar a proa com um coqueiro que fica por trás de uma casa para evitar os bancos de areia. Explicado assim na varanda do Cabanga em Recife parece fácil mas na prática.... Felizmente pudemos contar com a ajuda da Mara, Hélio e Percy do Galileo, que vieram nos buscar de bote na entrada do porto.

A ancoragem em Suape é muito tranqüila, o local bastante selvagem e a comunidade um show a parte. A cidade mais próxima é a do Cabo de Santo Agostinho que reivindica a honra de ter sido o primeiro local de desembarque de europeus no nosso país (???!!!), pelo espanhol Vicente Pinzon.Ancoragem em Suape - Pernambuco Reunida novamente a flotilha, iniciamos a nossa dura tarefa de explorar o local, com longas caminhadas pelas praias desertas e visita aos pontos "turísticos" da região: as ruínas de um convento, o farol administrado por uma senhora muito simpática (única no Brasil), a praia de Galhetas entre outros. Realmente Suape é uma daquelas ancoragens que pode-se relaxar e esquecer da vida cotidiana. Inexplicavelmente só é conhecida pelo pessoal de Recife sendo ignorada pelo pessoal "do sul" que passa por aqui.

Saímos de Suape no dia 21/02 a tarde, com destino a Maceió, 120 milhas ao sul. No MaraCatu, a Mara e o Hélio, no Taai-Fung II, a Egle e o Ivan e no Yahgan eu, o piloto automático e o radar. A saída foi liderada pelo MaraCatu com brilhantismo e sem hesitação. Uma vez em mar aberto, pegamos um ótimo vento leste de 15 nós, numa orça folgada e com o mar bem calmo. A noite, ajustei o alarme do radar para 8 milhas e o relógio despertador para 20/20 minutos (acrescidos depois de mais 5 minutos por ordem do capitão, face ao estado deplorável da tripulação). Pedi também ao MaraCatu e ao Taai-Fung que me avisassem da presença de navios, caso o radar não o fizesse. A travessia foi muito tranqüila bem como a chegada a Maceió. Lá reencontramos o Percy e a Zilda do Galileo e os amigos da terra.

Maceió é uma cidade muito bonita e bem cuidada. Equivale-se a João Pessoa e Natal em termos de pontos de atração turística e tem mais ou menos a mesma população. A ancoragem é muito conveniente pois fica por trás do porto, em local bem abrigado dos ventos predominantes e muito fácil de chegar e sair. Fica ainda próxima a praia de Pajuçara, a principal da cidade. O único inconveniente é o desembarque na praia onde fica a Federação de Vela (local do banho e guarda dos botes) que é lamacenta e um pouco suja. O clube é muito hospitaleiro com os veleiros em trânsito, particularmente o seu administrador, o Plínio.

Praia do Gunga - AlagoasNas longas conversas na varanda do clube, ele nos incentivou a passar o carnaval em Barra de São Miguel, 15 milhas ao sul de Maceió, onde fica a (recentemente) famosa praia do Gunga. Já havíamos ouvido falar dessa ancoragem mas as informações eram muito controversas: alguns diziam ser muito perigoso entrar na barra, outros relatavam histórias de naufrágio, outros afirmavam ser possível (??!!) a entrada com barcos de calado igual a 2 metros e outros, como o Plínio, afirmavam que a entrada era tranqüila e que barcos até maiores pra baixo do que os nossos já tinham entrado. Tiramos a média e ficamos com a eloqüência do Plínio, que se prontificou a guiar-nos na entrada pilotando o seu 18 pés de bolina. Deixamos Maceió na manhã do dia 03/03, calculando a chegada em Barra de São Miguel para 1 hora antes da preamar. Seguimos velejando lentamente, acompanhando o Plínio. A aterragem é assustadora pois além do recife principal, existem outros mais para fora além de bancos de areia. Quando estávamos no través da entrada, aproamos em direção ao recife. Na verdade existe uma falha de aproximadamente 30 metros, profunda (4 metros) e (mal) assinalada por um farol localizado na praia, por onde se passa raspando nas pedras laterais. A sorte é que é rápido. Transposta a barra, navega-se paralelo ao recife e a linda praia do Gunga para atingir uma área bem abrigada para o fundeio. Estávamos todos com aquele sorriso nervoso, característico das descargas de adrenalina seguidas da satisfação de ter superado um obstáculo. Na entrada seguimos tão próximos um dos outros que se o da frente tivesse parado aconteceria o primeiro engavetamento marítimo. Cumprimentamos o Plínio pela excelente pilotagem e iniciamos logo a exploração do lugar.

No dia 05/03, domingo de carnaval, finalmente chegou a Isabela para passar 30 dias comigo. A ancoragem na Barra de São Miguel justifica o susto da entrada. A praia do Gunga é realmente muito bonita. Fizemos longas caminhadas pelas praias e uma, de 15 km, até a praia do Francês, também protegida por um recife e bem calma na maré baixa. Retornamos a Maceió no dia 10/03, novamente guiados pelo Plínio e seu veleirinho.

Finalmente deixamos Maceió na manhã do dia 22/03 com destino a Salvador, 270 milhas para o sul. O Yahgan agora com a tripulação completa, eu e a Isabela. Pegamos um ótimo vento leste-nordesteFlotilha em Itaparica - Bahia de 15-20 nós, num través folgado e uma excelente velejada. Nas primeiras 24 horas fizemos 164 milhas, média de 6,8 nós, certamente ajudados pela corrente do Brasil que segue na direção sudoeste. A travessia foi tranqüila bem como a chegada a Salvador na madrugada do segundo dia. Seguimos direto para a Ilha de Itaparica, nossa ancoragem já conhecida.

Ao recolher a âncora em Maceió, rompeu-se alguma coisa na transmissão do guincho Goiot. Fiquei preocupado pois o manuseio da corrente de fundeio com as mãos não é tarefa muito agradável nem segura. Como não podia fazer nada durante a viagem, aguardei a chegada em Salvador para tentar o conserto que eu já imaginava difícil e dispendioso por se tratar de um equipamento francês. Ao desmontá-lo verifiquei que a corrente de transmissão havia se rompido. Me dirigi a vila e comprei uma corrente nova, por R$3,40 e, como ela era mais comprida do que o necessário, fiz logo uma de reserva. Este episódio exemplifica a vantagem de se construir o barco, instalar os seus equipamentos e fazer a sua manutenção pois na hora de uma falha temos condições, na maioria das vezes, de resolvê-las. Fico imaginando o que me custaria se tivesse que recorrer a um representante Goiot para este simples conserto. Na Baía de Todos os Santos visitamos a Ilha de Bom Jesus, Ilha da Maré, Baía de Aratu e a cidade de Salinas da Margarida. No dia 26/03 a Isabela retornou ao Rio pois suas férias estavam acabando.

Contaminados pela conhecida preguiça baiana, procuramos não encher muito a nossa agenda de passeios, para poder descansar. O Taai-Fung II e o MaraCatu participaram de uma regata que vai do Iate Clube da Bahia para o Aratu Iate Clube, numa só perna de vento em popa. Aliás, regata de baiano é só de vento em popa "pra não dar muito trabalho". Ficamos ancorados por longos períodos em Itaparica e Salinas da Margarida, lendo, tomando banho de mar, conversando assuntos muito (pouco) relevantes para o desenvolvimento da humanidade e, naturalmente, falando da vida dos outros, principalmente de quem não estava presente. O Ricardinho, nosso eterno companheiro, é um dos maiores alvos dessa falação. Em diários anteriores já havia mencionado a existência de uma muito bem articulada rede de fofocas divulgadas pelo rádio SSB, com estações fixas no Rio, Curitiba e Recife e móveis em vários lugares. Nesta rede encontram-se os velejadores de cruzeiro, em geral após as 19 horas. Sabe-se da localização de cada um, passa-se recados e alivia-se a solidão durante as travessias. Por esta rede, acompanhamos o progresso dos nossos amigos Ana Rita e Olmar que, no veleiro Papa-Léguas, atravessaram o Atlântico Norte na pior época e chegaram a Lisboa 25 horas antes da largada da regata de comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Quase não tiveram tempo de reprovisionar o barco. Um feito extraordinário, somente possível pela perseverança da tripulação e competência do comandante Olmar.

Centro Náutico 500 Anos, Salvador - BahiaFicamos em Salvador aguardando os 30 barcos portugueses e brasileiros que participaram desta regata e que fizeram uma bonita festa na chegada. Nós que não somos de perder uma boca livre, nos inscrevemos na regata na etapa Salvador-Cabrália e participamos de todos os eventos, com destaque para a recepção no Navio Escola português Sagres e a visita ao novíssimo Navio Veleiro brasileiro Cisne Branco. A largada da regata (na verdade mais um rally do que uma regata) foi emocionante, com os navios de época com as velas em cima e mais de 50 barcos na raia. Infelizmente não pude seguir para Cabrália pois alguns problemas familiares me obrigaram a deixar o barco em Salvador e seguir de avião para Rio no dia 21/04. O TaaiFung II, com problemas no SSB também não prosseguiu viagem. O MaraCatu, representando a flotilha, chegou bem a frente de vários competidores, apesar da ajudazinha com o motor.

Bem, até a próxima mensagem. Um grande abraço para todos.