Diário
6 (Fevereiro/2001) - Salvador a Sto André
Amigos, retornei a Salvador no
final do mês de janeiro/2001 para iniciar o retorno ao Rio de Janeiro. Estava
decidido a aproveitar ao máximo essa viagem, passando com calma pelo litoral
sul da Bahia, um dos trechos mais bonitos e favoráveis (sob o ponto de vista
náutico) da nossa costa. Estava sozinho no barco. O Taai-Fung II com Ivan e seu
sobrinho Sergio, também fariam o retorno ao Rio, o que adicionava segurança e
companhia a jornada. O MaraCatu
estava em Itacaré junto com o Mantra
do paraibano Helinho. Havíamos combinado de nos encontrar em Camamu.
Saímos de Salvador no dia 03/01 e resolvemos dar uma última passadinha em Itaparica. Passamos pela Vila e
prosseguimos pelo braço interior (canal que fica entre Itaparica e o continente
na parte oeste da Baía de Todos os Santos) na direção do Tororó. Esse canal,
apesar de largo, possui grande restrição de profundidade e a navegação tem
que ser caprichada para não acabar encalhando num banco de areia. Ancoramos em
frente a cachoeira do Tororó, que estava meio seca devido a estiagem. O lugar
é muito tranqüilo, abrigado e lindo. Mais um paraíso náutico baiano. Ficamos
3 dias nos preparando psicologicamente para deixar a Baía de Todos os Santos
onde passamos um ano inteiro de muito divertimento.
No dia 07/02 finalmente
deixamos a Baía de Todos os Santos rumando para Morro de São Paulo, 30 milhas
para o sul. Dessa vez não ancoramos em frente a vila e sim na localidade
chamada Curral que fica na outra margem do rio, uma ancoragem muito tranqüila.
Na verdade, Morro de São Paulo fica numa ilha, chamada Ilha de Tinharé, que é
separada do continente por um braço de rio. A desvantagem do Curral é que não
dá para ir até Morro de bote. Em compensação, há vários barcos que fazem o
transporte de passageiros entre Valença e Morro e que passam pelo Curral.
Pegamos um desses num dia e fomos bater perna nas praias numeradas de Morro. O
local tem o seu charme, principalmente no verão. Ao final do dia voltamos
aliviados para a nossa tranqüila ancoragem.
O pessoal do Aratu havia
mencionado que era possível seguir pelo canal entre o continente e a Ilha de
Tinharé até a cidade de Cairu. Interessados em conhecer os lugares diferentes,
seguimos um traçado que nos foi indicado, passamos pela entrada da cidade de
Valença - que fica as margens de um outro rio que deságua neste canal - e
após 11 milhas ancoramos em frente a simpática cidade de Cairú. A cidade é
bem pequena e isolada. Fica também em uma ilha chamada Cairú, vizinha a Ilha
de Tinharé. O acesso por terra é feito por uma ponte que a liga ao continente.
Essas localidades constituem um enorme sistema de canais, mangues, praias
oceânicas, tudo bem selvagem ainda pois o acesso por terra é bem difícil.
Junto com a parte sul da Ilha de Itaparica o local é chamado de "O
Pantanal Baiano".
No dia 11/02 rumamos para
Camamu, 40 milhas ao sul de Morro. Havíamos passado por aqui no inverno de 1999
e notamos logo uma grande diferença para esta época do ano. A água estava
muito mais clara e os dias mais agradáveis. Havia muito peixe, camarão e
lagosta nos pequenos restaurantes do lugar. Realmente o verão é a melhor
época para se conhecer este litoral. O pessoal do MaraCatu, encantado com as
belezas de Itacaré, resolveu ficar por lá esperando-nos. Ficamos somente 4
dias em Camamu. Esta baía demanda muito mais e pretendo voltar por aqui
brevemente com mais calma.
Saímos de Camamu no dia 15/02
para reencontrar o MaraCatu em Itacaré, 40 milhas ao sul. Itacaré é uma
pequena cidade que vem adquirindo fama pela beleza de suas praias oceânicas -
boas para o surf - trilhas, cachoeiras e áreas de preservação ambiental.
Muitas praias tem o seu acesso passando por dentro de grandes fazendas. Em uma
delas é cobrada uma entrada, a título de conservação. Apesar de funcionar
como inibidor da depredação ambiental, trata-se de flagrante desrespeito ao
direito de acesso a orla. O "clima" na cidade é parecido com o de
outras cidades do Brasil - V. de Mauá, Ouro Preto, Arembepe, Morro de S. Paulo
- onde predomina a freqüência de gente jovem, descompromissada, alguns
"bichos-grilo" e representantes da classe média do Rio e São Paulo
que largaram tudo para montar pequenos negócios - bares e pousadas - neste
local. O povo da terra só é encontrado rio acima. É um local interessante mas
que, aos poucos, vai se descaracterizando, como aconteceu com Porto Seguro e
Morro de São Paulo, transformando-se em um lindo lugar sem o brilho e o
diferencial da acolhida pelo povo da terra.
A entrada na barra de Itacaré é
bem rasa e, como adiantamos um pouco,
chegamos com a maré ainda vazia. O Hélio
e o Helinho foram buscar-nos do lado de fora e assumiram o leme do Yahgan
guiando-nos pelo canal de entrada. A ancoragem é bem tranqüila e próxima a
entrada. Fizemos os passeios tradicionais as praias oceânicas e subimos o rio
para conhecer uma bela cachoeira. No retorno encontrei o Yahgan envolto por uma
"ilha" de plantas, chamadas por aqui de "baronesas". Tive
que usar o bote e o remo para afastar o emaranhado de plantas e raízes que
haviam se enroscado na corrente da âncora.
O 21/02/2001 foi um dia triste
para as tripulações. Depois de 8 anos navegando juntos em Angra dos Reis,
Ubatuba e Ilhabela, uma viagem a São Francisco do Sul (SC) e uma jornada pelo
nordeste do Brasil, os veleiros Taai-Fung II, Yahgan e MaraCatu tomaram rumos
opostos. Taai-Fung II e Yahgan seguiram para o Rio de Janeiro e o MaraCatu para
Salvador. A flotilha estava acostumada a navegar junto, compartilhando as
decisões sobre a navegação, previsão de tempo, ancoragens, ajudando-se
mutuamente na manutenção dos barcos, construindo laços que permanecerão
atados para sempre. Foi bastante difícil ficar olhando a vela branca do
MaraCatu sumir no horizonte sem saber quando nos reencontraremos novamente. Sei
que nos três barcos o sentimento era o mesmo. Pela frente eu tinha 130 milhas
até Sto André e seria mais uma travessia em solitário que eu passaria
dormindo em prestações e fazendo todos os serviços a bordo.
Pegamos desde Itacaré um
ótimo vento nordeste-leste que permaneceu por toda a noite, que foi bem tranqüila. Pude fazer meus "quartos" de 20/20 minutos, com o radar
ligado e o Taai-Fung II ajudando na vigia. Chegamos, como de costume, antes da
hora da maré cheia em Sto André. Já havíamos ancorado do lado de fora para
esperar quando apareceu um rapaz com um garoto num bote inflável se oferecendo
para guiar-nos no canal. Diante da oferta, entramos com a maré baixa mesmo e
já próximo ao local da ancoragem o Yahgan deu uma leve encalhada num banco de
areia e foi prontamente ajudado pelo Taai-Fung que cala um pouco menos. Sto
André fica bem próximo a Cabrália e Porto Seguro e ainda mantém o charme que
esses locais perderam com a chegada do turismo de massa. Lá encontramos o
Taigun, um veleiro de 35 pés do alemão Iorgan que parou por aqui e ficou,
seduzido pelos encantos do local (em todos os sentidos).
Sto André é uma daquelas
ancoragens que dá vontade de nunca mais sair. O lugarejo é muito simpático,
com ruas de terra batida, poucos moradores e um ótimo restaurante em frente ao
ancoradouro que permite a guarda dos botes e franqueia o banho de água doce. A
entrada na barra segue o caminho tradicional: depois de transposta a falha no
recife, navega-se próximo a este e depois cruza-se o canal na direção da
praia, desviando dos eventuais bancos de areia. O local é bem abrigado para
todos os ventos sendo o único inconveniente a pouca largura da área profunda
no local da ancoragem. Deve-se tomar um pouco de cuidado também com as
mudanças da maré que podem fazer o barco "garrar". A distância de
Sto André para Porto Seguro é ao mesmo tempo conveniente e "segura".
Conveniente porque com 40 minutos de ônibus se alcança um dos locais mais
badalados do litoral brasileiro, com todo o tipo de divertimento. E
"segura" porque consegue manter Sto André ainda imune a essa
badalação.
Em Sto André ficamos sem a
companhia do Serginho, sobrinho do Ivan, que retornou ao Rio de ônibus. As suas
aulas estavam para começar e nós nem havíamos chegado na metade da viagem.
Esse tal de veleiro é mesmo o meio de transporte mais ineficiente que existe.
Os dois barcos seguiriam, a partir de agora, sendo navegados "em
solitário".
Bem, até o próximo relato