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Vitória no Luthier

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Versão da Catarina

Em Vitória, resolvemos tirar uns dias de descanso, até que o vento nordeste parasse de soprar, e o mar baixasse, lá fora. Então, fomos bater perna no bairro do contorno do Iate Clube, e visitar o Shopping Vitória, tudo a pé, para andar um pouco, movimentar o esqueleto e eliminar toxinas. Bom que, no Shopping, deu para encontrar uns gorros, bem macios, que fizeram falta na última perna, por conta do vento gelado no ouvido.

Vitória mais parece uma cidade de negócios, e não de turismo, com muitas pessoas vestindo terno e gravata, e lojas de grife, acho que pelo movimento gerado pelos portos, pela Vale, e as atividades da Petrobrás. Pelo menos aqui, ninguém veio oferecer passeio de barco, lembrancinhas, ou perguntou se eu falava português; talvez pelo tipo físico dos moradores, com muita descendência de poloneses, alemães, holandeses, e outros povos do norte europeu, como explicou um cabeleireiro-historiador, onde eu fui cortar o cabelo, e, confirmado pela minha mãe, professora aposentada.

Como em toda cidade grande, há notícias de violência, pelo rádio e TV, e na Avenida do Shopping Vitória, por volta das 15 horas de um dia de semana, o Dorival viu um movimento de pivetes arrumando uma arma antes de entrar em um ônibus, e várias pessoas que também viram se afastaram, por conta disso. Vai saber o que aconteceu, depois… Não tinha reparado na movimentação; preciso ser mais navegadora, nessas horas.

Tem muitos mineirinhos, uai, franguinho ao molho, com quiabo e polenta, nos restaurantes, e gente com aquela fala cantada. Dizem que eles invadem a cidade, na alta temporada.

Também fomos, a pé, ao centro da cidade, para comprar uns componentes eletrônicos, e aí a paisagem que vimos foi outra: as calçadas se estreitando, as ruas ficando cinzas, sujas, sem arborização, e então, apareceu o esgoto, a céu aberto, e com eclusa, para a porcaria não voltar, com a maré cheia. Enfim, saímos da “Beverly Hills”, de Vitória, para a realidade brasileira.

No Iate Clube, vimos o resgate de uma tartaruga, pelo Tamar. Ela estava muito magrinha, e a técnica informou que, provavelmente, não teria jeito, porque se deixou capturar muito fácil. A origem do mal poderia ser a ingestão de plástico. É de cortar o coração.

Bom, já que eu tinha que aguardar a condição de tempo, para seguir viagem, e esperar por uma das únicas duas vagas no píer, ocupadas por uns gringos, para poder lavar e abastecer o barco, não pude deixar de reparar na fala do funcionário da loja náutica da marina. O Dorival perguntou se ele tinha uma peça, e ele respondeu: “Tenho, não”. E depois, um outro cara ao lado comentou, sobre o próprio resfriado: “Tô gostando disso, não”. Fiquei em dúvida: afinal, o cara tem, ou não tem, a peça? E o outro, está gostando, mesmo, do resfriado?

Porque um sujeito fala que tem, para depois negar? Acho que gera uma expectativa, que é frustrada. Em São Paulo, ninguém fala, “Vou sair na sexta-feira, NÃO”. Se vai sair, sai de uma vez.

Fato é que, eles se entendem desse jeito, que bem pode ser o certo, porque o português é uma língua muito rica. Até parece que eu não tenho mais nada, de útil, para fazer. Prometo parar de ficar reparando na fala dos outros, NÃO.

Alguns dias depois, o gringo resolveu desocupar a vaga do píer, que era para ser usada por, no máximo, 2 dias, mas, sabe como é, ele ficou 6; tivemos que pedir para darem um jeito, porque já estava pintando uma previsão de tempo boa para nós.

Conseguimos, então, lavar o barco, que ficou sujo meia hora depois, do minério de ferro soprado do porto, mas deu para melhorar o estado geral de imundície, em que ele se encontrava, e principalmente, pudemos lavar os painéis solares, que já estavam com o rendimento comprometido. É o progresso!

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Versão do Dorival

O Iate Clube do Espírito Santo fica localizado na Praia do Canto, um bairro residencial de alto nível, com comércio sofisticado e muitos restaurantes, que animam uma vida noturna gastronômica muito intensa, e cara. Aliás, em búzios paguei R$ 4,50 por vinte litros de água mineral, e em Vitória paguei R$ 7,90. Os moradores dos prédios levam seus cachorros para caminhadas e, conseqüentemente, para perambular pelo bairro, tem que ficar olhando para o chão.

Não sou do tipo que acha que brasileiro não tem jeito, muita gente recolhe a sujeira dos animais, separa lixo reciclável, mantém a rua limpa, etc… O problema é que, os que não fazem isso, provocam um tremendo estrago.

No ICES, ficamos ancorados pela proa e atracados a duas poitas pela popa, lado a lado com diversos barcos, em uma piscina delimitada por um cais ativo, e um interditado. Ao nosso lado tinha uma lancha de pesca de 51 pés, e, depois dela, dois barcos italianos. Uma manhã, sai rápido do Luthier para ver o que estava acontecendo: eram os dois italianos falando alto, com os braços agitados para cima, apenas comentando um problema que um deles tinha com o motor; parecia uma briga.

Lanchas de pesca e veleiros não se entendem bem, no cais do clube eles são claramente separados, e, na “piscina”, com o entra e sai de veleiros visitantes, ficam misturados. Todos os veleiros usavam âncora com corrente, e todas as lanchas cabos, com alguns metros de corrente, e, acreditem, o cabo era flutuante. Todas as vezes, todas mesmo, que as lanchas saíram, algum enrosco entre as âncoras deles, e as dos veleiros, aconteceu. Só comigo foram duas vezes, e, claro, quando saí o cabo de uma delas estava cruzando com a minha corrente.

Um dos italianos ficou nos observando muito tempo, e dessa vez, ao invés de tomar a iniciativa, fiquei esperando para ver no que dava. Um dia, quando a lancha que estava entre nós começou a encostar o guarda mancebo no estai de proa do veleiro do italiano, resolvi colocar uma das minhas defensas, para proteger o barco dele. Quando ele acordou e viu, ficou agradecido, e começamos a conversar. O veleiro dele é de madeira, anos 70, e está muito bem conservado. O que mais me chamou atenção foi que ele estava com um medo incrível do Cabo de São Tomé; acho que o pessoal de Salvador exagerou bastante na dose, para mim, não foi fácil passar por lá, mas não deve ter nada a ver com o Cabo Horn.

2 Responses to “Vitória no Luthier”

  1. Chris disse:

    Catarina esse jeito de falar é igualzinho em Minas, Liga não, logo logo vc acostuma. Qdo estiver na Bahia ai sim vc terá com que se divertir com as falas locais. bju

  2. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Chris,

    Sei, não, acho que vc é uma enciclopédia ambulante, digo, falante, das coisas locais deste país.
    Já me esclareceu o “chan”, vive me indicando lugares, e faz pouco me explicou sobre a goma de tapioca, que virou um grude na minha panela, e me traduziu a composição das receitas baianas, para eu não me empelotar toda, com o camarão.
    Vou ficar mau acostumada.
    Beijo,
    Catarina

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