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Clique aqui para conhecer a história do veleiro Luthier e sua tripulação

 

Versão da Catarina

Fomos ao Largo do Carmo, por indicação de um amigo, e ganhamos um presente: a vista do mar em 180º, da sacada de uma loja, um show, de encher os olhos. À frente, o Porto de Salvador, e ao largo, o comércio e muitas construções. Os antigos casarões abandonados à volta podem dar uma nota triste à paisagem, mas o mar lá embaixo compensa, é esplendoroso, e está lá há milênios, alheio aos feitos, e desfeitos, dos homens.
De fato, impressiona o mau estado de conservação das igrejas e prédios históricos. Viemos aqui há uns 9 anos, as construções estavam sendo restauradas, muitas pareciam novas, e o Pelourinho tinha outro aspecto.
Nesse mesmo largo, há uma igreja centenária, com museu anexo, que conta muito de um passado luxuoso, do tempo em que se esculpiam estátuas de Cristo em madeira, e pintava-se o teto, com figuras tridimensionais, para adornar os santuários. Tive a sensação de que o teto está prestes a ruir, pelo peso da água das chuvas, que se vê atuando nas paredes laterais, estas se desfazendo, camada a camada. Cobram taxa para visitação.
Mas nem tudo está se deteriorando no Pelourinho, caso do Museu do Dinheiro, bem organizado, com detalhes de mobiliário dos bancos, guardando diversas moedas, autênticas, desde o tempo de Roma. Sem taxa para visitação. Disseram que seu futuro é incerto, pois há um litígio, decorrente da liquidação do Banco Econômico, que o mantem. Coisas do dinheiro…
Era véspera do dois de julho, data comemorativa da independência da Bahia, em 1823, quando houve a aclamação de Dom Pedro, como príncipe regente. As ruas do Pelourinho tinham sido lavadas, e estavam surpreendentemente limpas, para a visita do Governador do Estado, e de outras autoridades. Foi decretado feriado, pela data, e aqui tem… FESTA!! Com desfile; show no Farol da Barra; políticos no Pelourinho, lançando-se em campanhas; concurso de redação nas escolas; atividades da Marinha, com barcos enfeitados por bandeirolas, na Baía de Todos os Santos, e banda no Distrito Naval. Orgulham-se, na Bahia, de terem se antecipado à independência do país, em sete de setembro, e de, nessa ocasião, ter sido criada a Marinha do Brasil.
Festa para eles, dia de trabalho, para nós: o Dorival começou a limpeza do aço inox do convés às 9:00 da manhã, e foi terminar às 4 da tarde, com a lavagem do costado; lá dentro, eu fiquei caçando bolor, limpando o barco, e os seus avessos, abrindo os paióis para ventilar.
Tenho cozinhado menos aqui, porque o valor da refeição, às vezes, não compensa o custo de comprar e preparar alimentos; o meu prato sai por R$4,00, em média, num bom restaurante por quilo, bem limpinho, aqui perto, frequentado por pessoas que trabalham no comércio. O único problema é que o Dorival não é muito regrado para comer e, se têm opções, ele pega as porcarias, de toda sorte. Às vezes, ele pega um raminho de brócolis, para me agradar, e ainda me mostra, mas é só enfeite. Além disso, ele sempre quer comer um acarajé, na saída do restaurante. Resultado: 2 quilos a mais, em duas semanas, e, castigo: sem acarajé, na saída, nem sorvete. Vamos ver se eu aguento a pressão da criança por guloseimas!
O convívio na marina é com estrangeiros, na maioria. Param um tempo aqui para fazer reparos ou melhorias no barco, e muitos põem a mão na massa.
Por nosso bombordo, há um barco chileno, de madeira, com o comandante e seus dois filhos. Os meninos se dizem escravos do comandante; conversa, quase todos os dias vão surfar, e fazem uma cara, como se estivessem morrendo, quando têm que lavar a louça, numa bacia no cais. Já o pai-comandante se queixa que os filhos sempre querem velejar a todo pano, levar o barco ao limite, e que ele ameaça dizendo ser o cozinheiro, e que não vai se matar para fazer algo de bom; aí, todo mundo sossega. Não sei onde eu já vi essas situações…
Levamos um susto com a chegada de um barco com tripulação uruguaia, vindo de Vitória, que estava tentando parar na vaga ao nosso boreste; veio com a proa em direção ao Luthier, e foi uma correria para segurar. Eles diziam que estavam “sin máquina”, sem motor, mas fizeram uma confusão, enroscaram o cabo da nossa poita no leme deles, não tinham colocado nenhuma defensa. Só posso creditar a manobra desastrada ao cansaço, e ao stress da viagem.
A vantagem da marina é sua localização, próxima de pontos de ônibus, do comércio, de bancos, etc… A desvantagem é que, por não ser área residencial, nos fins de semana e feriados tem som bem alto, até de madrugada, em um posto de combustível, que fica em frente.
Diferente do sudeste, aqui não é fácil encontrar um varejão, ou horti-fruti, tudo se compra em banquinhas nas calçadas, e não é por quilo, é por unidade, penca, dúzia, ou por “monte”. Ainda não entendi bem o monte, mas é mais ou menos assim: um tanto que visualmente parece um morrinho, de frutas como o caju, ou o cajá, que, por sinal, estão em plena estação, uma delícia. E as pessoas param nestas banquinhas, no horário de folga do almoço, para comer fatias cortadas de melancia, ou abacaxi, de terno e gravata mesmo.
Os dias de inverno têm temperatura média de 29ºC, chegando a 34ºC, e chove a qualquer hora, mesmo com sol. Só refresca à noite, quando a temperatura vai a 26ºC, mas venta todo o tempo, aliviando o dia quente.
Nesses dias fiquei afônica, por conta de uma inflamação na garganta, um vírus baiano, que pega em quem gosta de conversar, e não tem pressa de ir embora. É uma tortura não conseguir falar! O Dorival diz que é praga dele, por eu ficar falando o que ele deve, ou não, comer. E os vizinhos latinos acham que não vai fazer falta se eu ficar calada, por uns dias. Mas que fama internacional tem a mulher!
Há tantos dias aguardando o tapeceiro, que também é cantor na noite, fazendo manutenções, etc…, estamos nos sentindo presos aqui, o barco ainda mais, pela proa e popa, lutando contra um rebojo que tem horas que parece que vai arrancar os cunhos. Já está dando aquela coceira de querer ir embora, ver outras paisagens, nadar com peixinhos, etc…
O Luthier quer independência das amarras, e nós, liberdade. Nos falamos de outros sítios, da próxima vez.

 

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Versão do Dorival

No TENAB, a todo tempo, chegam e saem veleiros, brasileiros e de fora. Enquanto aqui ficam, seus comandantes, inevitavelmente, participam de conversas no cais. Quem chega quer contar a viagem, e os que já estão querem ouvi-las, e saber dos planos dos que partem.
No papo de cais sempre aparecem muitos palpites, alguns muito úteis, outros nem tanto; também são comuns ventanias, ondas imensas e aventuras em geral. Claro que faço parte desses momentos. Confesso que me divirto muito com isso.
A nosso bombordo está um veleiro chileno com três tripulantes, pai e dois filhos, com 18 e 22 anos. Segundo o comandante, só há dois barcos chilenos dando a volta ao mundo. O veleiro, de madeira, precisa de verniz novo. Os meninos trabalham lixando e envernizando até as 15:00 hs, depois, todos os dias, tomam dois ônibus para irem surfar.
Muito simpático, o comandante chegou contando como, em uma de suas travessias, perdeu o mastro. Ele não se conforma com o que aconteceu, porque não foi marzão nem ventania, foi bobeira mesmo; se sente um babaca total, igual eu me sinto quando meus óculos caem na água e se perdem, guardadas as proporções, porque comprar outros óculos é muito mais simples que repor um mastro.
A nosso boreste está um Beneteau de 45 pés. Um italiano que vive na Espanha comprou esse veleiro, de bandeira americana, que estava há anos no Uruguai. Segundo o Skipper que o está levando para a Espanha, o dono achou que fez um negócio melhor no Uruguai do que poderia fazer na Europa. Quando chegou, o skipper estava bastante aborrecido porque o dono o obrigou, por conta de um cronograma que ele não sabe bem qual é, a sair de Vitória com vento NE. Resultado: levou 5 dias para chegar a Salvador, motorando e orçando o tempo todo. Como conseqüência, quebrou o reversor, que devido à orça teve problemas de lubrificação. Também, estava com óleo velho e nível baixo. Ele trouxe o barco na vela até a marina, e parou o barco em cima das defensas do Luthier. Eu e a Catarina levamos um tremendo susto. Tudo bem, não houve danos. Ajudamos na atracação. Um tripulante me contou que, por conta da orça, imposta pelo vento NE, navegaram para fora quase 200 milhas. Quando deram o bordo para voltar a se aproximar de terra, passando bem por fora de Abrolhos, notaram que um navio os estava alcançando. Cada vez mais perto, quando chegou a uma milha, eles optaram por mudar o rumo, o navio fez o mesmo, deram um bordo, e o navio seguiu novamente, mais um bordo e assistiram o imenso navio de contêineres passar muito perto; foi quando, no rádio VHF, canal 16, ouviram a transmissão de uma gargalhada. O Capitão acha que devido à hora, 3:00 hs, provavelmente o comando estava na mão de algum subalterno, pois um capitão de navio não faria isso.
Fiquei pensando que, se tivessem um “AIS” (Automatic Identification System), poderiam chamar o navio pelo nome e declarando a posição dele. Talvez isso inibisse a brincadeira, ou pelo menos, forneceria dados para uma reclamação formal na Capitania dos Portos. Já ouvi muitas histórias parecidas com essa.
Um pouco mais distante de nós está um Hunter de 50 pés, os donos Argentinos contrataram uma brasileira de Porto Seguro para ajudá-los a trazer o barco da Itália até a Argentina. Segundo eles, fizeram um negócio melhor na Itália do que poderiam fazer na América do Sul.
Não sei se os argentinos conversaram com o uruguaio, skipper do Beneteau, mas muitos por aqui não entenderam essa, nem eu.
O capitão de um barco francês, vindo de Cabedelo, me contou no banheiro, enquanto eu tomava banho, que veio o tempo todo na orça por conta de um vento SE, segundo ele, não conseguia andar a mais de 5 nós. Perguntado, não soube dar uma justificativa por não ter esperado um NE.
Outra conversa comum no cais é a Refeno. Nós vamos.
Mudando de assunto, Salvador é calórica, já engordei dois quilos, estou com 72. No meu caso isso tem duas consequências, se chegar a 75 quilos meus joelhos começam a doer, e se eu não tomar providência, e engordar mais, terei dificuldades para circular pelo convés; a segunda consequência é a Catarina falando na minha cabeça sobre as porcarias que eu escolho em um restaurante por quilo aqui perto, além é claro do sagrado acarajé da baiana, que tem uma barraca no comércio, uma região de bancos e escritórios na cidade baixa. Vou ter que comer chuchu, cenoura e muitas frutas. Tem uma amiga minha que diz que casamento é uma caixa de chuchu. Enquanto namorados, se vai a pizzarias, é só casar, que ela vai preparar chuchu combinado com outros legumes, e, se você tiver sorte, um pedacinho de linguiça. Sei não, chuchu faz bem, mas feijoada e churrasco, humm. Sorvete, nem pensar. Aliás, o meu sorvete preferido é o “grande”, sabor é apenas um detalhe. Se a Catarina não me controlar, eu danço.
Em breve vamos mudar para Itaparica. É uma viagem de apenas 12 milhas, velejando pela Baia de Todos os Santos. Eu acho que velejar em águas abrigadas é muito diferente do que em mar aberto. Aqui, o vento pode mudar a direção e intensidade, mas não falta. As diferenças e minhas percepções a respeito ficam para o próximo relato. Até lá.

 

Salvador - outras impressões

3 Responses to “Luthier em Salvador – conversas de cais e outras impressões”

  1. Ivan disse:

    Olá Catarina e Dorival,
    Continuamos acompanhando com interesse os seus relatos.
    Com respeito ao presente temos uma pequena correção histórica: o 2 de julho de 1883 foi a data em que os baianos derrotaram o último contingente do exército português que ainda resistia à independência proclamada em 7 de setembro do ano anterior. Por isso os baianos consideram o “seu” 2 de julho como a verdadeira data da independência mas ela é posterior ao grito do Ipiranga.
    Vocês ainda vão curtir muito essa baía de Todos os Santos que consideramos o segundo melhor lugar do Brasil para se estar em um veleiro de cruzeiro. Itaparica, o canal de Itaparica até Caixa Prego, o Rio Paraguassu até Maragogipe e São Francisco do Paraguassu (com seu incrível convento). Como extensão da baía considerem (talvez para ir na viagem de volta ao sudeste) toda a área por trás das ilhas de Tinharé e Boipeba e também a baía de Camamu.
    Quanto ao “engordamento” do capitão, a coisa é realmente difícil nessa terra de tantas delícias. Vai exigir toneladas de força de vontade.
    Um abraço,
    Ivan

  2. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Oi Ivan,
    Realmente fui simplista na redação, explico:
    Os anos são 1822 e 1823. Na Bahia, houve lutas entre os brasileiros e portugueses desde junho de 1822 até 2 de julho de 1823. A independência do Brasil foi em 7 de Setembro de 1822, portanto, no meio do período. O povo daqui, os historiadores também se orgulham do movimento ter sido popular, e de ter iniciado bem antes que em outros estados da federação. Daí meu erro: não “foi” antes, “iniciou-se” antes. Enfim, o importante é a festa. Obrigada pela contribuição.
    Abraço
    Catarina

    Ivan, esta semana vamos partir para explorar a Baia de Todos os Santos, já anotei todos os lugares que você está recomendando. Até agora curtimos muito a cidade de Salvador. Segurar o peso está difícil. Quem sabe ancorado longe das cocadas eu consigo.
    Abraço
    Dorival

  3. andregustavo disse:

    ola. tudo bem!

    Estou conhecendo voces e um pouco de sua história. Sou um apaixonado por viagem de veleiro somos do rio de janeiro , tenho uma ligaçao muito grande com o mar naveguei muito em itacuruça baia de sepetiba um lugar lindo !!!!!! hoje tenho 33 anos e 2 casais de gemios tenho muito pouco contato com o mar . Mas quando acompanho algo que me realmente me relaxa é acompanhar voces nessa epopéia com muita dificuldade estamos marcando uma viagem para fortaleza em setembro 22 a 29 . Gostaria muito de comunicarmos te desejo um mar de almirante .um abrço andre

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