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Clique aqui para conhecer a história do veleiro Luthier e sua tripulação

 

Versão da Catarina

Quantas novidades no linguajar da Ilha de Itaparica!
No supermercado Bom Preço, em Vera Cruz, me deparei com os seguintes cortes de carne: “CHUPA MOLHO”, “CAPOTE”, e “CRUZ MACHADO”. Eu nunca tinha ouvido falar neles… A cena se repete: pedi ajuda ao açougueiro, e ele me mostrou as costas e outras partes do corpo dele próprio; não ajudou. Como dizem por aqui: “Ave Maria! Que agonia!” Como é que pode, em um mesmo país, tanta denominação diferente para a mesma coisa?
Itaparica Dentro do supermercado, nós fomos abordados por um taxista, que perguntou se estávamos na marina, e ofereceu os seus serviços, por R$20,00. Não somos estrangeiros, mas somos de fora, e a consequência é a mesma, o preço mais alto. Pegamos um “táxi pequeno”, um Fiat Uno que cobra R$2,50 por pessoa, faz lotação, e volta para a cidade de Itaparica pela estrada asfaltada da Ilha.
No Mercado da rua da praia, no Município de Itaparica, achei algumas opções de frutas, legumes, carnes e peixes, mas tudo é mais precário. O peixe é fresco, mas não o conservam no gelo, o que não combina com o calor de 30ºC do inverno baiano. Lá, o comerciante me informou que “tratava” o peixe. Como, se ele está morto? Claro, ele quis dizer que “limpa”, tirando as escamas e a barrigada. Depois, pediu “miúdo” para o pagamento.
É bom o Dorival aprender a pescar. Das últimas vezes em que ele tentou, eu fiz com que ele devolvesse, ou porque achei que fosse filhote (e não era), ou porque era um bagre amarelo, e eu fiquei com medo dos ferrões. Acho que ele ainda não acertou o tipo, e o tamanho da isca. E eu não acertei no incentivo.
Aqui também tem acarajé, e a baiana que vende disse que, em Salvador, o camarão na massa “é longe”; acho que ela quis dizer que, lá, colocam “pouco” do crustáceo. Discordo, o do lá, do Comércio, é mais bem servido, e saboroso, além ser frito na hora, e tem ainda o dengo da baiana, que me chama de “minha menina”; quer mais?
Itaparica coroa Itaparica é uma típica cidade pequena, com muitas casinhas geminadas, em que todos se conhecem, e se cumprimentam, Nos finais de tarde, os meninos jogam bola na rua, com o uniforme da escola, e as meninas desfilam, parecendo bonecas de porcelana, perfeitas, com o cabelo todo enfeitado por tranças e laços. Nos fins de semana, os homens escutam futebol no radinho de pilha, e as pessoas jogam cartas, com as portas e janelas das casas abertas. Nada que combine com os episódios de violência ocorridos por aqui, sinal de que bem poucos podem fazer muito estrago. Como explicam os comerciantes, a culpa é do avanço do tráfico de drogas, principalmente, o “crack”. Já as pessoas do povo, acham que é serviço do anjo caído, daquele que não se pronuncia o nome dentro dos barcos, assediando os jovens com a promessa de vida fácil. Então, que Nosso Senhor do Bonfim nos proteja.
A sensação do lugar é andar na coroa de areia descoberta pela maré baixa, pisar em seco no que vai ser o fundo do mar, em poucas horas. E corra, porque ela sobe depressa….Melhor ainda é levar uma âncora para o bote não ser surpreendido.
Bom daqui, também, é a fonte de água mineral, testada e aprovada, disponível a todos, e o apoio da Marina, aonde você pode desembarcar, mesmo ancorando fora.
Nos finais de semana, chegam lanchas com motores possantes, em alta velocidade, fazendo marolas; uma dessas nos surpreendeu no bote, e nos jogou com força em direção à popa do barco. Vaias e mais outras cobras e lagartos para o condutor!
Resolvemos passear em Salinas Margarida, a uma hora e meia daqui, ou 9 milhas náuticas, aproximadamente. Quem fez o planejamento da navegação fui eu; primeiro, nas cartas de papel, para não esquecer os conceitos, depois, passei tudo para o GPS, que vai guiar o piloto automático, nossos confortos modernos. Tá bom, eu errei nas aproximações, mas tudo foi checado a tempo.
Incrível, quando estávamos saindo, o céu escureceu completamente, e fomos surpreendidos por rajadas de vento de 25 nós. Velejamos embaixo de chuva pesada. Voltamos para dormir em Itaparica, porque lá não tinha nenhum veleiro perto de onde podíamos fundear.
Poço de gás na coroa Eu sou um perigo à navegação. Fique longe quando eu estiver no controle do bote inflável, ou na atracação. É que as situações de risco aparecem do nada, e exigem rapidez, mas eu sou lenta. Não devia ter faltado às aulas de Educação Física, aos jogos de voleibol, etc… Além disso, eu tenho dificuldades geográficas, saber onde estou na carta náutica, qual é a Ilha que estou avistando, e por aí vai… Ah,tenho dificuldades com nós, pedi para uma tia minha fazer um sapatinho de tricô, para eu passar em Educação Artística.
É muita informação! Mas eu estou praticando, e o Dorival não dá moleza. Alguma semelhança com o serviço militar? Alerta total, disciplina, planejamento, treinamentos… Mas é a sobrevivência, né? Então, vale tudo.
Termino com um trecho de uma música antiga: “dicen que viajando se fortalece el corazon, pues andar neuvos caminos te hace olvidar el anterior”. (Canción “Solo se trata de vivir”, de Litto Nebbia)

Vale lembrar que respirar oxida, comer oxida, então, melhor é viver a vida. Muito axé, para todos nós!

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Versão do Dorival

A Ilha de Itaparica fica linda iluminada pelos mesmos raios de sol que brilham no mar que a rodeia. Nela há dois municípios: Itaparica e Vera Cruz. O pequeno centro velho do Município de Itaparica, no inverno, é quase desabitado. Suas ruas, arborizadas e limpas, ficam vazias o dia todo. O comércio é fraco, a sorveteria só tem uns poucos sabores à venda, muitos restaurantes só abrem na temporada, e um hotel próximo à marina opera unicamente o primeiro andar.
O povo local é muito amável e educado, qualquer um que você cruzar na rua lhe dirá um bom dia. Há, ainda, uma argentina doida que mora em uma cobertura de uma praça próxima a uma padaria, onde só trabalham mulheres. Claro que a cor predominante na pintura da padaria é o rosa.
Enquanto a Catarina escolhia pães e frutas, vi a dona da padaria chamar atenção de uma funcionária porque ela estaria flertando com o marido de uma freguesa e, se não parasse com isso, seria demitida. Ela justificou que era fofoca do povo lá de baixo (não sei onde é), mas a dona disse que se o povo todo diz é porque é verdade. Esse assunto por aqui é sério, costuma terminar em violência.
A miséria está escondida mais adentro da ilha.
Ancoragem vista da coroa A ancoragem entre a praia e a coroa de areia, em profundidades de 6 metros, é muito boa, o fundo é de lama, o que oferece uma boa tensa. A entrada é sinalizada por bóias cegas, com um X (balizamento especial), não mantidas pela Marinha. Há muitas bóias e sinais de balizamento: perigo isolado, sinais cardinais, etc.. Existem alguns poços de gás da Petrobrás que também são sinalizados.
À noite, os poços emitem luz vermelha piscando uma vez a cada 5 segundos; os demais sinais luminosos têm seus períodos e cor conforme informados na carta náutica.
Dediquei algum tempo à noite identificando esses sinais e balizas, caso fosse necessário sair no escuro. Disseram-me que esta ancoragem não é muito abrigada para ventos SW. Realmente, com 20 nós, o mar levanta um pouco, mas não chega nem perto do efeito do NE em Búzios. É seguro, sem problemas e, até agora, o SW não durou mais que 12 horas.
Coroa Itaparica Planejamos uma rota entre Itaparica e Salinas, passando pelos pontos de maior profundidade. Saímos em um domingo, às 11:00 hs. Ainda ancorados, sem vento, levantei a vela mestra para ver se estava tudo em ordem. Sem vento, liguei o motor e, com a mestra em cima, comecei a recolher a âncora. A Catarina estava no leme, o motor desengatado, eu limpava a lama da âncora, ainda pendurada próximo à água, quando entrou um vento de 15 nós (mais ou menos, não olhei o medidor). O Luthier entrou em uma orça fechada e saiu a navegar com uns 4 nós de velocidade dando muito trabalho para a Catarina governá-lo no meio dos barcos. Recolhi a âncora ainda suja, e tomei o leme para render a Catarina, que estava assustada; fiz a volta por trás de um catamarã e saímos da ancoragem com vento de popa, só com a mestra, a 6 nós. Muita gente ficou olhando com ar de reprovação, e com razão. Logo em seguida, notei a nuvem escura que vinha por trás da ilha. Além disso, deveria ter visto os sinais de vento no mar mais distante. Lição do dia: em ancoragens lotadas, mesmo sem vento, não levantar âncora com velas abertas. O motor não vai ajudar muito.
Logo que saímos do canal, resolvi voltar, porque iniciou uma chuva pesada. Essa chuva, razão do vento repentino, não durou mais que 10 minutos, e se foi. Com o vento acalmando, e uma abertura no céu, retomamos a rota para Salinas.
Velejamos até Salinas e ancoramos próximo a um píer. A profundidade era de 4 metros. Estávamos sós. Na praia tinha um jogo de futebol e, além de um restaurante com alguns fregueses, a cidade parecia deserta, domingão de inverno por aqui é assim mesmo.
Almoçamos no Luthier e voltamos para Itaparica velejando.
No meio do caminho de volta apanhamos outra chuva gelada. Fiquei resfriado, com uma moleza incrível, há dois dias que tenho preguiça de fazer qualquer coisa. Ainda bem que não estou com febre, não deve ser H1N1, nem dengue, acho que é DENGO mesmo.
Com esse DENGO, e o tempo que chove a qualquer hora, a roupa para lavar está se acumulando (sou eu que lavo a roupa), e já preciso lavar o barco outra vez. Para judiar um pouco mais, apareceu um vazamento de água salgada na bomba de pé da bica da cozinha. Esses pequenos problemas de manutenção têm que ser resolvidos logo, para que não virem um grande problema, tanto no serviço quanto no custo.
Agora vou dormir, até a próxima.

6 Responses to “Os dias em Itaparica com o Luthier”

  1. conde disse:

    È curioso como as 3 ou 4 familias Brasileiras que vou lendo, fazem os relatos das viagens cada uma segundo aspectos e caracteristicas diferentes, vocês previligiam o aspecto humano e contam-no precisamente como eu, sendo estrangeiro, gosto de apreciar: os olhares e atitudes das pessoas.
    Catarina, “Capote”, salvo erro, tambem se utiliza por aqui e “miudos” para pedir um troco ou trocados em moedas de menor valor tambem.

  2. Gunnar Hansen disse:

    Oi Catarina e Dorival, parabens pelo material produzido. Continuamos acompanhando voces. Um abraço Gunnar.

  3. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Caro Conde,
    Obrigado pelas palavras. Continue comentando os usos diferentes, ou iguais, da nossa língua, o que nos interessa, porque gostaríamos de ir até aí com o Luthier, querida terra do Sr. Serafim, avô do Dorival.
    Abraço
    Dorival e Catarina

  4. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Caro Gunnar,

    Agradecemos os elogios. Estamos de partida para Recife. Participaremos da Refeno. Provávelmente, teremos muitas estórias para contar.
    Abraço
    Dorival e Catarina

  5. Christina disse:

    Oi CAtarina e Dorival
    Embora o tempo passe muito rapido, pq vcs já estão partindo de novo, e eu ainda nem voltei pra casa! Agora estou em Bari, com internet, finalmente!!! Voltei a inclusão digital, ahaha!
    Ah Catarina, seu nome na Grécia é muito comum, e tem centenas de barcos com seu nome! E chupa molho é musculo!
    Que saudades de ITaparica!!
    Aproveitem muito recife, se pararem em MAceio, mandem lembranças para o pessoal da federação e provem a tapioca na praia da Pajuçara, dá pra ir a pé. Em Recife, tem o doce cartola, que é tudo de bom. Vá a olinda num domingo de tarde, se der, pq na parte velha da cidade tem desafio de agogo, das diversas casas de candomble, é muito bonito de ver.
    Me mandem noticias, bons ventos
    Chris

  6. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Salve Christina! – essa é a nova mania baiana para expressar alegria de encontrar alguém.
    Realmente, o tempo passa, e, logo logo, nos encontraremos de novo em Angra, pode apostar nisso.
    Não pretendemos parar em Maceió na subida, mas anotamos todas as dicas e as traduções.
    Até breve (esta é do sudeste).
    Beijos
    Dorival e Catarina

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