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Clique aqui para conhecer a história do veleiro Luthier e sua tripulação

 

Versão da Catarina

Não me lembro de ter passado tanto calor nos últimos tempos como na cidade de Recife: às 5:00 h da manhã o dia já nasce, quente, e a temperatura ambiente chega aos 34º C antes do meio dia, a da água aos 29ºC, e nem estávamos no verão, ainda. Efeito dos 8º e pouco de Latitude Sul, e do pouco vento dentro da cidade.

Na visita ao Mercado de São José, erigido sob uma estrutura de ferro, tivemos que tomar uma decisão: ou ficávamos por lá para comprar frutas, legumes e pão, ou pegávamos uma condução para o shopping: venceu o ar condicionado. Do Mercado levei sândalo, um capim perfumado, que dizem ser bom para o bolor; na mesma barraca de ervas, perguntaram ao Dorival se ele não queria levar catuaba, ou jenipapo, as “pílulas azuis” naturais.

O artesanato vendido ali é colorido, cheio de bonecos, figuras esculpidas em madeira. Há muitas casas com artigos para umbanda e candomblé, o que me surpreendeu, achei que essa fosse a tônica da Bahia.

Foi no Recife que venci o desafio de fazer tapioca: a massa é fácil de encontrar, e barata. Fiz à moda, com queijo coalho e coco ralado. A delícia é muito calórica e, talvez por isso, gostosa que “é a gota”.

Nossos amigos nos levaram ao Museu Ricardo Brennand, que expõe uma vasta coleção particular, doada ao estado. Impressiona a jardinagem externa, que inspira a celebração de casamentos da alta sociedade, inclusive, entre pessoas do mesmo sexo, como um recém ocorrido. Há uma extensa coleção de armas brancas: várias formas de perfurar os outros, com a ponta afiada entrando diretamente, ou torcendo, em tamanhos e punhos à escolha do agressor. Crueldade humana ou defesa própria? Certo é que, desde épocas remotas, o homem não se entende.

Gostei mesmo da coleção francesa de bonecos de cera, que reproduzem as feições, estaturas e vestuários da corte de Luis XIV, no julgamento de um encarregado de finanças do rei, chamado “Nicolas Fouquet”. O “cabra” resolveu dar uma festa deslumbrante para 600 pessoas, em um castelo que ostentava luxo, e o rei desconfiou que algo estava errado. O próprio Fouquet fez sua defesa, justificando a herança que tinha recebido, seu trabalho árduo, blá, blá, blá, mas seus inimigos há muito preparavam sua fritura. Incrível como ele conseguiu se safar da morte: pegou prisão perpétua, e arresto dos bens.Largada  no Porto de Recife

O capitão do Luthier se encantou com uma carta náutica de 1850, onde aparece o Rio São Francisco. O interessante foi ver que, naquela época, a foz do rio tinha profundidades sempre maiores que 12 metros.

Grande correria às vésperas da Regata: finalmente prendemos umas aparas na dinete, para proteger o corpo no descanso, fizemos outras modificações no convés, conserto de vazamentos na pia da cozinha, prendemos os estofados que voam na viagem, etc… Parte da lista de itens intermináveis. E mais o supermercado de véspera, contando com não encontrar produtos em Fernando de Noronha.

Em que pese a REFENO tratar-se de uma festa, dava para perceber o clima de disputa, meio tenso, entre as tripulações, e um certo estresse para arrumar os últimos itens do barco, a tempo.

Apesar de eu não entender muito bem essa estória de linha imaginária de largada, porque era a primeira vez que participávamos, não fizemos feio, e nos apresentamos em primeiro lugar no check-in. Depois da largada, e de passarmos a bóia vermelha, minha primeira mancada: aquartelei o barco enquanto o Dorival prendia o punho da mestra, que se soltou, e ajeitava o cabo da genoa, que enroscou. Renderia o prêmio pato.Refeno velejando 1

Diferente do relato de outros barcos, não topamos com pirajás, talvez por estarmos mais a leste; pegamos, sim, um sol inclemente, a ponto de não ter uma sombra para se abrigar, e nem uma chuvinha para refrescar. Naquele marzão, de profundidades de mais de mil metros, cor papel carbono com um pouco de azul cobalto, parecia que estávamos num deserto. Dentro do barco, um forno.

Concordei com o Dorival com o fato de nos mantermos mais a leste da linha inicialmente traçada para Noronha, que nos trazia mais vento, co m um certo pé à trás. Perguntava a ele: “Quem garante que vamos ter vento para voltar?”. Se a minha função é questionar, traduzindo, buzinar na orelha do Dorival, quando estávamos a mais de 20 milhas da linha, comecei a minha campanha para voltar. Enfim, ele concordou, e tomamos o rumo para o norte. Começamos a nos aproximar da linha traçada para Fernando de Noronha muito devagar. Eu dizia para ele que estávamos andando paralelo à linha, e bem longe, mas ele não me ouvia. Foi quando uns amigos nossos, de um trimarã da Paraíba, falaram com o Dorival pelo rádio, através de seu capitão: “Eu recomendo que você volte para a linha”, com todo o cuidado para não melindrar o comandante do Luthier. Aí eu soltei meu clássico: “Tá vendo?” Seguindo o conselho dos nossos anjos da guarda, começamos a rumar para a linha, sempre bem à leste dela.

A oitenta milhas da Ilha, avistamos os primeiros pássaros, planando a maior parte do tempo.

Nesse ponto, já achávamos que seríamos uns dos últimos, por conta do número de horas navegadas, em comparação com as edições anteriores da Refeno. Qual foi nossa surpresa ao nos aproximarmos da linha, vermos outros barcos por bombordo, cada vez em número maior.

Por não conhecermos o lugar, a chegada foi um pouco confusa: com tantas luzes, não sabíamos qual era a do luminoso da Regata. E era um tal de perder o vento depois da Ponta da Sapata, e entrar rajadas repentinas, realmente, um sufoco. Catarina em Fernando de Noronha

Até que passamos da linha de chegada e ancoramos, exaustos, pelas últimas 30 horas de vigília, com mar batido. Tão exaustos que o Dorival brigou comigo, por uma besteira; isso não é comum e, por conta disso, concluí: regata não é para nós. Avisei ao Dorival que quero cruzeirar por aí, com previsão de ventos favoráveis, saindo na hora mais conveniente para nós, rizando as velas antes do anoitecer, levando o barco macio para fazer refeições, tudo sem estresse. 

Levamos a nossa casa nas costas, com todas as nossas coisas. Esse barco é nossa vida, esperamos muito por ele, tenho muito xodó pelo nosso baby e, o quanto seja possível, quero só paparicá-lo. Valeu, aprendi muito, acho também que me diverti. Depois de tudo, era só desfrutar da Ilha, nos poucos dias que podíamos permanecer, e das festas da Regata. Assunto para depois do mergulho, tá bom? Ou, como dizem os recifences, “entendesse?”

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Versão do Dorival

A REFENO é uma festa, desde a chegada no Cabanga, à preparação dos barcos, largada, e, é claro, a Ilha de Fernando de Noronha. Só não é uma festa a navegação de 300 milhas competindo: é cansativo, duro, mas, muito gratificante.

Chegamos ao Cabanga no dia 1º de setembro, fomos bem recebidos. No clube havia apenas três barcos de fora, que vieram para a regata; o nosso, o quarto, era o único com alguém morando a bordo. Logo chegou um casal do Rio Grande do Norte, que também mora a bordo de um veleiro de 33 pés.

Alguns dias depois chegou, às 5:00 hs da manhã, um trimarã de 30 pés com 4 tripulantes da Paraíba, muito simpáticos. Ajudei na atracação do barco ao lado do Luthier. Estavam tão cansados que, um deles, muito falador, ficava segurando o cabo na mão e não me passava para usá-lo na amarração. Eu pedia o cabo, e ele ficava me olhando, parado, sem fazer nada, mas falando sem parar. Quando perceberam que estavam safos, eu ainda amarrava o barco e eles já estavam devorando sanduíches, com duas mordidas, e pratos de arroz de polvo.

Aos poucos, principalmente na última semana, chegaram muitos barcos: algumas máquinas de regata, barcos de série e muitos candidatos a tripulantes. Para meu gosto, aquele trimarã enorme que estava em Salvador, cujo skipper foi comigo ao resgate de um veleiro, foi contratado por um patrocinador para participar da REFENO.

O Luthier estava pronto muito antes de toda essa muvuca se iniciar. Depois de muitos encontros de fim de tarde, cervejas, mentiras, vantagens, etc.. o dia da largada se aproxima, e, antes disso têm a reunião dos comandantes. Nessa reunião, são apresentadas as regras da regata, as do ICMbio (parte separada do IBAMA que cuida do Parque de Fernando de Noronha), e os procedimentos de acompanhamento usados pelos navios da Marinha do Brasil. Foi solicitada a colaboração dos barcos equipados com HF (SSB), na tomada de posição dos barcos fora do alcance VHF, repassando as informações aos navios da marinha.Refeno velejando 2

Um amigo de Parati, que têm HF no barco, falou comigo que não tinha experiência para fazer aquilo. Procure incentivá-lo a participar.

Na noite anterior à largada, recebi o skipper do trimarã no Luthier. Juntos vimos que a previsão era de vento ESE na largada, fraco, que rondaria para NE, e junto à costa iria ficar sem vento. Os tripulantes do trimarã da Paraíba também me falaram que era melhor ficar acima da linha que seria o rumo direto de Recife até Fernando de Noronha, principalmente na chegada, por conta de uma correnteza de leste para oeste que têm na região.

Chegou o dia 19 de setembro. Às 15:00 horas abriu o check-in do grupo vermelho, primeiro a largar, e o Luthier foi o primeiro barco a fazer o check-in. Depois, ficamos com apenas a mestra, indo e vindo na área de partida até que, faltando quatro minutos, abri a genoa e saímos em direção à largada. Logo vi que ia queimar a largada, dei um bordo e voltei. Acabamos largando em 7º lugar. Porém, o vento de 11 nós nos levou para a saída do porto a 6 nós, com isso passamos do molhe de fora já em quinto. Depois de dois bordos bem sucedidos deixamos a bóia norte a bombordo. Uma hora depois se soltou o punho da vela mestra junto ao garlindéu. Fui até o mastro arrumar, mas, quando folguei a mestra, a Catarina perdeu o rumo e aquartelamos. Ficamos parados por alguns minutos, o suficiente para que muitos barcos passassem, para arrumar o punho da vela e soltar uma das escotas da genoa, que estava enroscada no bote.Porto de Fernando de Noronha

Retomamos o rumo direto para Noronha em uma orça fechada, 35º com o vento aparente, cada vez mais fraco, confirmando a previsão. Estava  ficando difícil manter-se na linha direta para a Ponta da Sapata em Fernando de Noronha. Logo comecei a ouvir no rádio, VHF, alguns relatos de barcos que estavam sem vento algumas milhas à minha frente. Dei um bordo e comecei a orçar para E, 110º magnético, 87º rumo verdadeiro. Velejamos com velocidade de 3 a 4,5 nós durante 22 milhas. Depois disso, dei outro bordo e adotamos um rumo paralelo à linha direta Recife – Fernando de Noronha. Essa opção é conhecida pelo pessoal como bordo suicida, porque tipicamente deixa o velejador sem vento. Não foi o caso: com vento o tempo todo, depois do bordo começamos a desenvolver velocidades sempre maiores de 6 nós, porém, isso fez o percurso total até Fernando de Noronha ficar em 327 milhas.

Ficamos tão distante dos outros competidores que a única forma de passar nossa posição para a Marinha foi pelo HF. Lembro que, quando passei o rumo de 110º mag o operador de rádio do navio da Marinha pediu para eu confirmar o rumo. Soube depois que fomos os únicos a adotar essa estratégia.

Depois de algumas horas, comecei a ajustar nosso rumo para se aproximar da linha direta, mas estava tão cansado que os ajustes foram insuficientes. Mesmo assim, foi o suficiente para, quando estávamos a 80 milhas da Ilha, ouvir 5 veleiros tentando passar suas posições para a Marinha, pelo VHF, sem sucesso. Anotei a posição, rumo e velocidade de todos eles e passei para o Navio da Marinha pelo HF-SSB. Avisei a todos que tinha passado as posições e, então, o comandante trimarã da Paraíba, aquele que ajudei a atracar, perguntou qual era a minha posição, quando passei para ele, ele disse assim “ olha comandante, eu recomendo que você mude seu rumo para seguir em direção à linha porque assim você vai chegar do outro lado da Ilha”, soube depois que os outros tripulantes disseram para ele: “recomendar nada “p#$!”, manda o cabra mudar o rumo”. Parece que acordei com isso. Rumo acertado, velas ajustadas, e o Luthier rumou muito rápido para a Ponta da Sapata, vindo de leste, com a correnteza a favor. Fomos o 32º barco a chegar, 1º na classe aberta b.Na Ilha

Depois de 2000 milhas navegadas, estou começando a aprender e entender a meteorologia. Deu tudo certo. Com ajuda dos amigos da Paraíba, velas bem trimadas, muita sorte de principiante e uma companheira com muita paciência, chegamos às 23:30 hs em Fernando de Noronha. Eu estava muito cansado, tanto que briguei com a Catarina por um motivo tão bobo que não me recordo mais qual foi.

No dia seguinte, a Ilha e um pequeno susto. Continua….

Vejam ainda no youtube, o vídeo "Refeno 2009 – parte 1/6", vocês vão ver o WA WA TOO  largando com gennaker, ao lado do Planckton, e o Luthier chegando por trás.

http://www.youtube.com/watch?v=ayXgAvB30Z0

8 Responses to “Luthier na REFENO/2009”

  1. amyres disse:

    dorival e catarina, em 2004 fiz a refeno de carona num catamaran, foi uma viagem gostosa com vento constante, depois conhecer a ilha foi fantástico.
    bela colocação, grande feito, parabéns ao casal e ao luthier !
    amyres

  2. Fininho disse:

    E aí??
    Parabens pela navegada nas aguas azuis…que tal o gostinho de cortar o cordão com a terra???
    Agora ja podem ir para o caribe, e depois o mundo, afinal o patio da casa de vcs eh muitoooo grande. rssss
    Grande velejada, parabéns pela vitoria.

    abração

    Fininho
    Zuretta

  3. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Oi Amyres,

    Obrigado pelos cumprimentos. Li em um blog, e concordo, que o grande prêmio é a Ilha, realmente fantástica. Este ano o regime de ventos está diferente, e os Pirajás estão mais violentos. No próximo post vou comentar o que ocorreu com amigos nossos da Paraíba.

    Abraço
    Dorival

  4. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Fininho,

    Obrigado pelos cumprimentos. O mar já virou o nosso quintal, mas, agora, vamos para o Sul, devagar, curtindo cada canto do Litoral brasileiro, que por mais que façamos, tem sempre o que conhecer.
    Abraço

    Dorival e Catarina

  5. Gunnar Hansen disse:

    Oi Dorival e Catarina,

    continuamos acompanhando vcs aqui de longe (Maringá/PR e Floripa/SC). Parabens, e um abraço forte…..

    Gunnar Hansen.

  6. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Oi Gunnar,

    Agradecemos os cumprimentos e a companhia de vocês na nossa viagem.

    Abraço
    Dorival e Catarina

  7. Ivan e Egle disse:

    Olá Dorival e Catarina,
    Parabéns pela aventura e pela classificação.
    Mesmo que os trechos e os portos venham a ser os mesmos, cada velejada é diferente da outra. Esse ano soubemos que o regime de ventos aí na REFENO foi muito estranho, mas a visita à Ilha deve ter sido ótima como sempre.
    Discussões a bordo são um fato muito conhecido dos navegadores e variam com o nível de cansaço e com a dificuldade de cada percurso, mas são parte do aprendizado do cruzeirista.
    Desejamos um bom percurso de volta (vocês estão voltando para que porto?) e que curtam cada milha navegada e cada local de fundeio.
    Um abraço,
    Ivan e Egle

  8. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Oi Ivan e Egle,

    Agradecemos as palavras de incentivo. Estamos na cidade de Natal, decidindo nosso próximo porto. Provavelmente, vamos navegar para o Sul, parando em todos os lugares que o calado do Luthier permitir. Se assim for, nosso próximo porto deverá ser Cabedelo.
    Também temos convite para ir ao Caribe, mas estandos pensando em deixar para 2011.
    Abraço
    Dorival e Catarina

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