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Clique aqui para conhecer a história do veleiro Luthier e sua tripulação

 

Versão da Catarina

Quem manda em nós é o tempo: decide quando vamos partir, o que vamos fazer no dia, se vamos ter que poupar energia, etc… Ficamos totalmente dependentes de suas condições.
Estamos esperando uma janela de tempo para seguir viagem até Salvador; o mar lá fora resolveu engrossar e há previsão de chuva, muita chuva, no destino. Casa do Artista Popular 3
Nunca falta o que fazer: lavar o barco, lavar roupa, fazer supermercado, guardar compras, manutenções, e todas as outras tarefas, de uma lista interminável. Fizemos uma parte delas no sábado e domingo passados, afinal, tanto faz o dia da semana.
Nada a reclamar por esperar pela condição de mar e chuva aqui, em Cabedelo, afora o calor que passamos dentro do barco; justamente por ser um lugar muito abrigado, venta menos e não estamos filados ao vento, fato que prejudica a ventilação.
Nunca ficamos sozinhos, tem sempre um agito na marina, ou um convite de amigos daqui.
Dias desses, fomos convidados para um happy-hour no barco de um casal de franceses, chamaram a todos os que ajudaram na atracação do barco. Reunião diferente: falava um por vez, em voz baixa, os outros todos só prestavam atenção. Perguntei se as reuniões entre eles eram sempre assim, e disseram que dependia do nível social das pessoas; não tinha pensado nisso, mas faz sentido. Teve mesa farta, de comida e de bebida; a toda hora passava uma rodada de pizza. Casa do Artista Popular 2
Uma outra reunião, desta vez, na Marina, foi para a despedida do pessoal de um catamarã, que segue para a França. Nosso vizinho francês fez uma apresentação de malabarismo e depois, uma animação com a tripulação de saída, tudo engraçado. Ele é, realmente, um palhaço, profissional. E um bom vizinho: educado, sempre de bom humor, não faz bagunça, nem barulho. Viveu dias de ansiedade, com a venda do barco para um outro francês, que resolveu se instalar a bordo, para avaliar melhor as suas condições (que mala!), mas deu tudo certo, e ele agora vai para a Argentina, buscar um barco maior, desta vez, com banheiro. Quem parece que não gostou nada da saída dele daqui foi sua gata: estava acostumada com o lugar, vinha dormir nos outros barcos, inclusive, no nosso, e às vésperas de sua saída estava agitada, miava para nós, vinha se esfregar. Como é que esses bichos sabem o que vai acontecer? O porco também percebe, chora a noite toda, às vésperas de ir para a panela.
Mas que tempo maluco é esse? No sudeste chove de montão, e também em Salvador, fato inusitado para a época. Aqui, dizem que parou de chover muito cedo. Devem ser as mudanças climáticas anunciadas, além do “El Niño”.
Nesse meio tempo, fomos conhecer os prédios históricos e turísticos do centro de João Pessoa. Gostei muito da exposição da Casa do Artista Popular, com o artesanato da Paraíba, não aquele semi-industrializado, dos mercados populares: são esculturas em madeira e pedra, experiências com cerâmica, bonecas estilizadas, bordados, e peças com uso de um algodão colorido, plantado aqui. O lugar tem uma iluminação perfeita, que valoriza as obras, com paredes trabalhadas contendo espaços para exposição, e tudo limpo, sem aquele pó por cima das peças, que em muitos museus ninguém lembra de limpar, passar um pincel. Um lugar realmente preparado para receber o que há de melhor da expressão do povo, e que, dizem, projetou muitos nomes, até internacionalmente.
Na capital, João Pessoa, rola um papo que deveria haver uma mudança no nome da cidade, que não seria certo uma capital portar o nome de um governante, por mais importante que este tenha sido. Há vários nomes candidatos, inclusive, Cabo Branco, o mais a leste do Brasil. Por mim, esse último seria o mais adequado, por ser um ponto geográfico de relevância, e por ser impessoal, fato que agradaria a gregos e paraibanos.Cidade baixa rios e manguezais Pensando bem, se o nome um dia escolhido foi o de um político, é porque essa é a cara do lugar, assim… “politizado”, com muitos servidores públicos, e talvez esse seja o nome mais adequado para ele.
Quem sou eu, para opinar? Uma legítima paulista, do interiOR, sem direito a nada, é fato . Mas, quem sabe, um dia, talvez eu venha morar aqui, por ser uma cidade tranquila, com muita área verde, parques tombados, um marzão no quintal, ideal para uma aposentadoria. E o povo é cordato: as pessoas na rua e no comércio são solícitas, sempre sorridentes. Já há notícias de alguma violência, trazida pelo avanço do crack, mas isso está para todo o lado.
Para morar aqui eu teria que incorporar o “pronto” no meu vocabulário, usá-lo o tempo todo, com várias funções. Veja bem, “pronto” não é exatamente alguma coisa concluída, terminada, é simplesmente, “tá bom”, “ok”, “entendi”. Se você diz a um vendedor que está só olhando a mercadoria, ele diz, “pronto”, e se afasta. Se você pede uma informação, o informante começa explicando com “pronto”, e termina com ele. É pronto prá tudo.
Um amigo daqui nos disse que somos ciganos, não fixamos raízes. Pela primeira vez fui chamada assim, bem eu, que fujo daquelas mulheres que querem ler a sorte. Fixamos o ferro, sim, mas na água; se assim não fosse, você sabe, o barco iria embora. Acho que mais vale o contato espontâneo, ainda que por pouco tempo, entre pessoas que têm um interesse em comum, pelo mar, que o contato maçante com uma pessoa com quem você simplesmente convive, por necessidade ou conveniência. Casa do Artista Popular 1
Não precisamos morar no mesmo bairro, para nos querermos bem.  E como é bom nos encontrarmos, que seja de vez em quando, para jogar aquela conversa fora, inútil mesmo, sobre barcos fantasmas procurando tesouros escondidos, ou sobre lugares belos, que nunca fomos. Desses bons momentos é que é feita a vida, e é assim que é bom passar o tempo. O nosso tempo finito neste mundo.
Como diria o caipira do interior de São Paulo: tremendo vento “bão” para “oceis” todos!

 

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Versão do Dorival

Cabedelo fica em uma estreita faixa de terra espremida entre o mar e o Rio Paraíba. Há supermercados, padarias, restaurantes e um caminhão que vende abacaxis, picados e gelados, muito bons, na rua da praia.
Rio Paraiba e SanhauaEstamos em uma marina na Praia do Jacaré, que fica em Cabedelo. É uma praia fluvial, no Rio Paraíba. A marina não oferece nada de especial, não tem apoio na atracação e os cabos das poitas não estão bem mantidos.  O preço é alto, mais caro que do TENAB e do Cabanga, e não oferece a mesma estrutura. Acho que é a falta de concorrência porque uma outra marina que havia foi a leilão, está sob júdice, e as outras marinas só atendem à lanchas. Aqui, a grande maioria dos veleiros pertence a franceses. Um deles, do barco ao lado do Luthier, o vermelhinho da foto, é um artista de circo; ele faz malabarismos, magia e brincadeiras bem engraçadas. O cara é bom mesmo, faz o maior sucesso. A mulher dele está grávida do segundo filho e, por isso, ele comprou um veleiro maior, 40 pés, na Argentina. Vendeu o vermelhinho para um francês, que veio de Paris para olhar o barco, velejar um pouco e negociar a compra. Ele me contou que consegue vender bem os shows dele em Paris e em Buenos Aires. Como precisa de lugares abertos para se apresentar, só pode trabalhar no verão. Com as duas opções, Paris e Buenos Aires, pode trabalhar o ano todo. Ainda vou entender esse mercado de europeu comprando veleiros na Argentina.Vermelhinho
Um outro, é um catamarã que estava alugado para uma empresa de charter nas Ilhas Seychelles. Quatro tripulantes, franceses, trouxeram o barco até Cabedelo para trocar a vela mestra, que se despedaçou na costa da África. Aqui, esperaram uma vela nova vir da Argentina. Dois deles eram mergulhadores militares que participaram de um famoso resgate de reféns na Líbia. Um deles ficou com alguma seqüela mental. O inglês deles é muito engraçado o que rendeu algumas piadas de ambos os lados. Saíram dia 27 de outubro para cruzar o Atlântico em direção a Cabo Verde. É uma tripulação profissional e, acho que por isso, ficaram interessados em falar comigo, pelo SSB. Combinei dois horários, 9:00 e 21:00 horas UTC, porque 30 minutos mais tarde falo com um veleiro de uns amigos suíços, que estão indo para Trinidad Tobago. Esse suíço é aquele que eu ajudei a arrumar a antena, apenas dizendo o que ele tinha que fazer. Em 4 anos no mar, ele nunca tinha falado com alguém no rádio SSB, depois disso, falamos todos os dias, e ele fica chateado quando a propagação não permite uma boa comunicação.
Perguntaram-me sobre a violência em Cabedelo. Desde o evento de um assalto à mão armada a um veleiro tipo escuna de Ilha Bela, e o roubo de eletrônicos de um outro abandonado ancorado, não houve nenhum novo caso.
Franceses contam que, em Cabo Verde, um deles teve dois painéis solares roubados, e o outro, o motor do bote. Já escutei muitas histórias sobre Cabo Verde; os viajantes que aqui chegam, em geral, não gostam de lá. Como em qualquer outro lugar, não se pode descuidar.
A Constituição do Estado da Paraíba proíbe a edificação de prédios com mais de 3 andares nas primeiras ruas junto à orla. Com isso, a paisagem nas praias de Cabedelo e João Pessoa é muito agradável; a preservação das árvores e da vegetação rasteira segura a areia, e evita a erosão. Em João Pessoa tem muitas mangueiras, cajueiros e jambeiros nas calçadas. Os manguezais nos rios que cortam a cidade ainda estão razoavelmente preservados.
Igreja de Sao Francisco
A cidade de João Pessoa nasceu junto ao rio. A ocupação da orla marítima, antes usada apenas para veraneio, é coisa recente. A disputa entre grupos políticos da cidade, e de Campina Grande, é muito acirrada. Há até uma certa discussão envolvendo o nome da cidade, porque é a única capital do país que leva o nome de um político. O centro velho está bem cuidado, com alguns prédios restaurados e outros em obras.
A cidade é limpa. Moradores dizem que é porque a prefeitura sempre limpa, e que o povo joga lixo na rua. Não foi o que eu vi, a maioria das pessoas jogam lixo na lixeira. O sistema de esgoto é bom, as praias são próprias para banho, o ano todo. Ainda existem ligações clandestinas jogando esgoto no rio.
A cidade é quente, e parado no píer, sem vento, me dá vontade de ter ar condicionado no barco. Não sei como vou fazer, mas vou ter um. Andei me descuidando e voltei a engordar 3 quilos; estou de dieta. A Catarina me fez comer picadinho de carne com CHUCHU. Odeio CHUCHU. Não entendo como é que a natureza conseguiu com 10% de material orgânico estragar 90% de água. Dessa vez fiz uma reclamação mais séria e ela prometeu que não vai mais fazer CHUCHU.
Assim que o mar acalmar e o vento ajudar, vamos para Suape, e depois, para Salvador.

 

2 Responses to “Luthier – Em Cabedelo e João Pessoa”

  1. conde disse:

    Tambem existem ciganos no Brasil? aqui há muitos! de raiz familiar e…dos outros! (piadinha).
    ” o contacto espontaneo entre pessoas que tem um ineresse em comum, pelo mar” será o interesse pelo mar ou pela vida em comum que quem anda no mar tem?. È que a forma como vocês têm vivido nos ultimos tempos é por si só uma abordagem filosófica da vida moderna, ou seja uma via alternativa, será mais do que normal, que outras pessoas que pelos mais variados motivos optaram por uma VIDA normal em vez de artificial, sintam uma ligação, é como se fossem vizinhos de um IMENSOOOO bairro. Ainda hoje li um texto de um jornalista portugues que aborda precisamente a forma selvagem como as crianças são iniciadas na dita sociedade moderna, com os infantarios as pré-escolas e por ai fora,sempre a esticar o limite de cada um até ao limite que se chama Prozac.
    Tenho que parar se não a irritação latente que sinto vai-me levar para um texto amargo e destrutivo e não é isso que se pretende.

    Os franceses andam muito no mar, em La Rochele que eu não conheço, dizem-me que é um mar de mastros a perder de vista e um bom local para comprar equipamentos.
    Fiquei decepcionado com essas noticias de Cabo Verde, que éra ou é, não sei, um destino para mim muito forte. Já estive na ilha do Sal como turista e adorei o ambiente e os festivais de musica de pé descalço na areia. Do Mindelo tenho uma imagem romantica e apaixonada, mas não me podem roubar os paineis solares, senão estraga-se o namoro!!.
    Dorival, já me disseram que um aparelho de ar condicionado portatil é o suficiente para ter a bordo e se tiver a função desumificador…melhor.

  2. Dorival e Catarina disse:

    Olá Conde,
    Não saberia quantificar, mas há ciganos em vários centros urbanos do Brasil, desde o interior de São Paulo, até o nordeste. Em Salvador, as ciganas ficam nas redondezas do Mercado Modelo, vestidas a caráter, abordando quem passa pelo local.
    Acho que o mundo hoje tem muita gente, mais do que suporta a natureza, então, as organizações, escolas inclusive, tentam valorizar, desvirtuar ou complicar coisas simples. É a realidade.
    Quando estamos navegando, meio enjoados, temos que manter pensamentos edificantes, afinal, o sol ainda brilha, o mar nos incita, temos pessoas queridas que nos cercam. A sobrevivência exige que sejamos positivos e, talvez, essa seja uma forma de evitar o Prozac.
    Mantenha-se alegre, afinal, já o consideramos um amigo, que contribui para a nossa página, nos alegrando, com sua opinião diversificada.
    Não sei se me fiz entender…. Desculpe qualquer intromissão no seu modo de ver as coisas.
    Obrigada por nos acompanhar,
    Catarina

    Caro Conde,
    Muitos dizem que a Catarina é mais espontânea, e eu mais formal. Talvez seja pelo meu estilo de escrever. Não sei se nosso estilo de vida é alternativo, ou não, mas, certamente, não é normal.
    A vida foi dura comigo, como provavelmente é com todo mundo. O que varia é o tema que gera o aborrecimento. Aqui, cada um com seu estilo, falamos da vida e das coisas que nos cercam, da forma mais livre possível, sem censura. Sinta-se parte desse nosso estilo que, com certeza, por si só, é uma terapia.
    Acho que fui simplista na referência aos roubos, foi só para ilustrar o que acontece em qualquer lugar, se não se toma cuidado. Os roubos citados foram, segundo o relato dos franceses, cometidos por cruzeiristas, e não por habitantes locais.
    Procurei ver os aparelhos de ar portáteis, mas são grandes para o espaço interno do Luthier, e não são muito eficientes. Ainda vou estudar mais o assunto. Quando, e se, encontrar uma solução, eu a comento aqui.
    Um abraço, e mais uma vez, bem-vindo a bordo.
    Dorival

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