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Versão da Catarina

Não é só o TENAB, em Salvador, que anda vazio: a Ilha de Itaparica está com poucos veleiros, e o movimento só é maior nos finais de semana, tudo se comparado a agosto último, quando estivemos aqui. Pode ser consequência da repercussão do assalto a uma Pousada em Vera Cruz, em que um francês foi ferido, caso muito comentado entre os estrangeiros que encontramos. Os assaltantes foram presos, mas fugiram da delegacia pela porta da frente. É por essas, e outras, que continuamos dormindo com as gaiutas principais fechadas, apesar do calor.
A violência está para todo lado. Nossos vizinhos espanhóis, a bordo de um catamarã de 50 pés, nos contaram que um segundo veleiro deles foi recentemente arrombado, sendo levados os equipamentos eletrônicos, de dentro das dependências de uma marina fechada, na Galícia (Espanha). Também se sabe que está ruim pelos lados de Dubai; a crise ainda não terminou. Temos que começar a pensar em grades de proteção, alarmes, poços com jacarés, muros de pedra e castelos medievais.
A Ilha de Itaparica continua graciosa, com muitas reformas e restaurações de casas em execução, preparando-se para o verão. Acho interessante a manutenção de fachadas ao estilo colonial, com grandes janelas de madeira, estatuetas clássicas no jardim, jardinagem de época, e o tradicional colorido da pintura.Veleiro-antigo
Aproveitamos os passeios por lá, e até Madre de Deus, para praticar o uso da vela “genaker”, com vento de alheta; para descer a costa vamos precisar dela, e do balão. Numa ocasião, em que estávamos usando a genaker, rompeu-se uma costura que a prende no saco, e a vela foi toda ao mar; deu para recolher rápido, antes que ela se enroscasse em baixo do barco, sem maiores problemas. “Eta” coisa mal costurada!
Outras costuras estão se acabando no barco, mas estas ficam expostas ao sol, como a do saco da mestra. Estamos avaliando a compra de uma máquina de costura, para fazer este e outros reparos.
Nos últimos dias tivemos visitantes no barco, que puderam vivenciar o calor da Bahia, de dentro de um veleiro. Eles passavam, na pele, protetor solar fator 50, mas se expunham ao sol, com roupas de banho, e sem chapéu, por horas, umas 150 vezes a mais, tudo para pegar um bronzeado. “Kids”! Menos mal que o passeio era dinâmico, o que evitava, a tempo, casos de insolação a bordo. E pensar que, no passado, o padrão de beleza ocidental era a pessoa alva, pálida, de ombros caídos, indicativo da nobreza, daquele que não exercitava os músculos, na lida sob o sol.
Fomos com os “kids” aos lugares que fazem parte da nossa rotina por aqui, como no Acarajé e nas bancas de frutas do Comércio, e a outros que nunca tínhamos ido antes, por falta de tempo, como no Farol de Itapuã, e em algumas igrejas históricas. Eles andaram um bocado, do nosso jeito: a pé, ou de ônibus.
Quando dizemos que nos falta tempo para fazer a lista de tarefas pendentes, muitos não acreditam. Estamos viajando, ou, “em trânsito”, e cada deslocamento exige um novo planejamento, novas necessidades, adequações de uso dentro do barco, e o próprio uso do equipamento, que sempre significa algum desgaste. Então, por ora, o Dorival tem que comprar e instalar um filtro de entrada de água, e ele teve que recolocar um ventilador na saída de ar do motor, que caiu com a trepidação do barco; acabou de instalar uma privada elétrica, colocou isolação nos armários que dão para o costado, para diminuir o calor, e ainda precisa fazer a fixação de chapinhas de aço inox, nas partes que se desgastam com o roçar de cabos de amarração, além de uma revisão geral nossa no dentista, etc, etc… E se fizermos tudo o que podemos durante o dia, ainda vai faltar pregar botões de camisa e de calças, que hoje em dia parece que vêm costurados com saliva, como diria a minha “nona”.
De todas as igrejas que visitamos, a mais bonita, para o meu gosto, é a de Nosso Senhor do Bonfim, não pelo que ela ostenta em pinturas antigas ou trabalhos em madeira, mas pela vida que ela encerra, erigida no alto de uma colina, bastante ventilada e iluminada, de portas abertas à visitação por todos, pessoas de mais, ou menos, fé. Algumas cenas marcam, e só vi isso aqui, na Bahia: sentada no banco da igreja uma mulher de roupa e turbante brancos, que poderia ser uma “filha de santo”, e nas escadarias, um menino de uns 12 anos, com roupas muito brancas, bordadas com linha azul, e alguns búzios, sendo conduzido pelos pais; não saberia dizer o que tudo isso significa, mas essa convivência religiosa, num mesmo espaço, é muito interessante.
Outra cena que vejo muito é a de meninos fazendo arruaça para mergulhar no mar, do alto de pontes, ou passarelas, por pura diversão; fazem isso rindo, o tempo todo, uns dos outros.Visitas-no-Luthier
Tenho a impressão de que os baques de vida, ou as passagens por “barras”, são mais facilmente enfrentados por essas pessoas daqui, que tem a felicidade como religião.
Assunto pagão: as prostitutas. Elas estão em vários portos, pelos quais passamos, de luxo ou baratas. Aqui, topamos com elas o tempo todo: no banheiro, jogadas no cais, bêbadas, dentro dos barcos. Outro dia, um senhor que é marinheiro de uma lancha, já de uma certa idade, que estava ao nosso lado no Tenab, falava ao celular com alguém, dizendo estar em Itaparica. Contava que tinha dado um problema no motor, e que ia demorar umas 5 horas para chegar; ao lado dele, uma jovem prostituta. Quem está do outro lado da linha fez que acreditou porque o trajeto em questão não leva mais que 2 horas, para este tipo de lancha; pode ser que o cabeleireiro dela também precise de 5 horas para fazer o corte e, se assim for, eles se merecem.
Estamos nos preparando para passar o mês pelas redondezas de Itaparica, conhecer o canal, e o Rio Paraguaçu. Até lá, outros preparativos para a viagem, dentre eles, iluminar e enfeitar o barco para o Natal, afinal, estamos na Bahia.

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Versão do Dorival

A minha encomenda chegou. Como diz um amigo meu, “queimei a língua” porque a culpa não foi do baiano da loja de Salvador, mas de um paulista da matriz, que “esqueceu” de postar a minha encomenda. O baiano se envolveu no problema, e resolveu tudo.
No dia 17 de novembro recebemos meu filho e minha nora para passar 8 dias conosco. Fomos a Itaparica, Loreto, Pelourinho, Itapuã e Igreja do Bonfim. Velejamos bastante, o vento ajudou e soprou leve o tempo todo. Um único dia teve mais vento e um pouco mais de ondas, o que fez minha nora marear.
Salvador, do ponto de vista de barcos visitantes, está vazia. Em Salvador me disseram que os barcos estavam em Itaparica, não foi o que vi, apenas alguns barcos de fora. A administração do Tenab está esperando, para dezembro, a chegada dos barcos do “Rally Iles du Soleil et Transamazone”. Na edição 2009 – 2010, estão vindo desde Mindelo para Salvador, devendo chegar por aqui entre os dias 14 e 20. São vários barcos, a maioria franceses. Depois de Salvador vão para Paraíba (Praia do Jacaré), e depois para Belém e o Rio Amazonas.
Chegou aqui, à noite, um pequeno veleiro que, dizem os franceses e o pessoal da marina, foi construído em 1855. Se assim for, ele tem 154 anos. Não vi a documentação, não acredito em Papai Noel, nem em coelhinho da páscoa. Em todo caso, é muito antigo, e certamente, sofreu várias reformas e modificações. Uma delas, foi a instalação de um motor diesel moderno. Há pouco espaço para se movimentar no interior e no convés. O dono, francês, velejador solitário, tem 70 anos de idade. Chegou com as pernas inchadas e com uma infecção generalizada. Foi hospitalizado, teve alta uma semana depois e voltou ao hospital com agravamento do estado geral de saúde.
Dia 19 de dezembro, o Luthier vai comemorar um ano na água. Viajamos bastante e, até agora, poucos foram os reparos, mas houve muitas melhorias que fomos fazendo conforme se fizeram necessárias.
O que mais está me preocupando são as costuras das capas das velas, que estão se desmanchando porque a linha está apodrecendo por efeito do sol. Uma cinta que prende a capa da genaker ao punho de tope da vela se desfez, fazendo com que a vela fosse parar toda na água, deixando apenas o saco pendurado. Não houve danos à vela. Substituí a cinta por um pedaço de cabo.
A temporada de turismo está chegando a Salvador, temos de 30 a 32 graus Celsius todos os dias e não chove. Os grandes navios de cruzeiro estão parando no porto aqui ao lado. Muitos turistas saem deles andando pelas ruas do comércio e, em fila, seguem um guia que, com uma placa com o nome do navio, vai à frente em direção ao Pelourinho. O policiamento na rua, de dia, está reforçado. À noite, no Pelourinho, ainda há arrastões de menores infratores roubando turistas.
O Elevador Lacerda que cobrava 5 centavos, agora cobra 15.
Um dia destes, houve em frente ao Elevador Lacerda, na cidade alta, um evento com direito a palanque, discursos e música. Era um encontro nacional das Baianas do Acarajé. O som era tão alto que dava para ouvir tudo do barco. Em um dado momento, escutei o locutor falando: aqui estão as Baianas de São Paulo, Baianas de Manaus, Baianas do Rio de Janeiro e assim por diante. É claro que eu estava entendendo o que estava acontecendo, mas soa estranho.
As lojas e as ruas, do Comércio e da cidade alta, começam a ser enfeitadas para o Natal, bem mais simples e timidamente do que se vê no sudeste. Shoppings são iguais em todo o Brasil. O Iguatemi de Salvador está sorteando um Porsche.Navio-de-Cruzeiro
A vida em Salvador, no verão, é mais cara, afinal é temporada, mas continua simples. Continuam as distorções e profundas diferenças sociais que em nada diferem de qualquer outro lugar.
Aqui ao lado há duas estações de barcas, uma delas é chamada “Mar Grande”. No saguão onde são vendidas as passagens sempre aparece uma mulher pedinte acompanhada por duas crianças. Ela é muito insistente e ao pedir costuma segurar, e até bater, no braço das pessoas. Quando bebe demais, fica bastante desagradável e o pessoal do terminal pede à polícia para retirá-la, e na falta desta, aos guardas do Tenab. Desta vez, quando o guarda tentou levá-la para fora, ela começou a chutar e mordeu o braço dele, que perdeu a cabeça e deu um murro nela, cortando seu nariz, que sangrou muito. Diante da cena, algumas pessoas correram atrás do guarda que, para não ser linchado, se abrigou dentro do Tenab. A cavalaria teve que intervir para acalmar a confusão.
É como se diz, só perde a razão quem a tem. Na minha opinião, por mais que a mulher tenha feito, mesmo a mordida, nada justifica a agressão. Supostamente, o guarda deveria estar preparado para lidar com esse tipo de situação. Este relato é um resumo das diferentes versões que ouvi. Não estava lá para ver o que realmente aconteceu.
Já estamos há muito tempo no cais, o Luthier começa a ficar inquieto. Logo iremos ancorar em Itaparica, continuar a explorar a Baia de Todos os Santos e escolher um lugar bem legal para comemorar o seu primeiro ano no mar.

7 Responses to “Luthier – A vida em Salvador”

  1. Ivan disse:

    Olá Catarina e Dorival,
    Que susto com o genaker heim ? Pode-se saber quem é o fabricante ?
    Em relação ao apodrecimento das costuras expostas ao sol uma solução técnicamente muito boa é utilizar linha de teflon (uma das marcas mais conhecidas é a Tenara) para recosturar. É mais cara inicialmente (talvez nem tanto quando se considera que no médio prazo evitará o pagamento de diversas recosturas com linha comum e as chateações de retirar e recolocar as capas da grande, do bimini, do dog house, etc) mas resolve o problema praticamente para sempre.
    Boas velejadas e bom final de ano aí pela Baía de Todos os Santos.
    Ivan e Egle

  2. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Olá Ivan e Egle,

    Não chegou a ser um susto muito grande porque estávamos com 8 nós de vento, sem ondas e navegando a 6,0 nós. Soltei a escota do punho da vela e dei um 1/2 cavalo de pau no barco, o que fez a vela navegar longe do costado. Aprendi com um skiper australiano que, quando a vela vai para a água, deixa-se apenas um cabo preso a ela, os outros devem ser soltos do punho da vela. A idéia é não ter cabo na água dificultando recolhê-la, aumentando o problema. O que soltou foi a costura de uma cinta que o fabricante do saco coloca para prender o punho da vela no topo dele para acomodá-lo, todo recolhido, entre o punho da vela e ponta da adriça.
    Estaremos aí no sul em março, por isso, vou reforçar, à mão mesmo, as costuras que estão soltando, e deixar para refazê-las aí no Rio de Janeiro, com aquele amigo seu que tem essa linha.

    A vela é da Nort Sails, argentina, o saco (meia) é de outro fabricante.

    Obrigado por sempre comentar nossos textos.
    Abraço,
    Dorival

  3. João Gimenes disse:

    Oi pai, estamos com muitas saudades de vocês e dai de Salvador.
    Só estou arrependido de não ter inventado um jeito para trazer as frutas deliciosas que tem ai. hehe
    Um grande beijo
    João e Emileine

  4. Fininho disse:

    Ola pessoal, Salvador eh muito legal mesmo.
    Agora essa questão da segurança…coisa complicada, li a poucos dias em uma site nautico, que o Brasil eh considerado pela comunidade internacional nautica tão perigoso, no quesito segurança, quando os paises asiaticos, Indonesia e região. Com recomendações de navegar longe da costa principalmente nas imediações de Santos e Santa Catarina, Recife…; sempre navegar em comboio, nunca, jamais, ancorar em lugares ermos ou sozinho. Mesmo nas marinas ou clubes sempre dormir com o barco trancado, NUNCA REAGIR a uma possivel invasão pois o assaltante aí não tem escrupulo em matar, visto estarem quase sempre drogados e sem controle, e por ai vai. Bom, uma pena isso e não vou entrar em temas politicos, mas eh o reflexo do que acontece ai no Brasil, onde nos acostumamos com esses fatos lamentáveis e aceitado-os de forma quase natural…”eh assim mesmo….” Achei curioso teu comentário no texto…sobre os arrastões noturno, foi tão natural …ja faz parte da vida do brasileiro. Entretanto, o pessoal de fora morre de medo, alias essa eh a unica razão por termos tão poucos veleiros vindos de fora em transito no Brasil, quando comparado a outros lugares. Frequentemente sou questionado aqui nos USA sobre essa questão, mais por curiosidade dos gringos, pois o Brasil não eh um lugar viavel para eles no sentido navegação, ou atravessa o atlantico ou vem contra o vento e contra a corrente.
    Olha…o barco do frances….deve ter mesmo 150 anos..rss…aqui tem um monte desses, alguns barcos tem sorte de terem passado a vida com bons donos.
    Grande abraço
    Fininho

  5. Fininho disse:

    So uma explicação acerca da curiosidade dos americanos, eh que a questão segurança, ou falta dela no Brasil, é notoria nos meios nauticos e eles querem realmente saber se é assim mesmo ou folclore. Respondo a verdade neh? Que existem realmente lugares muito perigosos, nas proximidades dos grandes centros, com a violencia e miseria, inerente destas (onde convenhamos existe em qualquer grande cidade do mundo, não sendo exclusividade do Brasil, o Rio de Janeiro, claro, é fora de bitola). E que tambem existem lugares absolutamente fantasticos e seguros, junto as comunidades de pescadores, e lugares com menos contato com a cultura da violencia. Mas infelizmente não posso negar que tudo o que falam eh folclore…….

    Fininho

  6. Dorival e Catarina disse:

    Oi, João,
    O abacaxi já não está tão bom, a temporada deve estar acabando. Procure por aí que você vai encontrar frutas boas. O importante é o hábito de comê-las diáriamente.
    Beijo para você e a Emileine.
    Dorival e Catarina

  7. Dorival e Catarina disse:

    Olá Fininho,

    Concordo que a durabilidade de um barco depende de como ele é mantido. Quanto à violência, é uma realidade no mundo. No caso do Brasil, tento não esconder sua existência com as belezas que vejo, mas também, não me deixo cegar por ela.
    Obrigado por nos acompanhar.
    Abraço
    Dorival

    Oi Fininho,

    O Brasil está violento, mas becos, bocas e ruas sinistras existem em qualquer centro urbano do mundo. Acho importante se informar sobre estes lugares, e sobre os horários e forma para frequentá-los. Às vezes, vejo estrangeiros indo a lugares em Salvador, e em determinados horários, que nós, que somos do Brasil, não arriscamos; aí é dar mole para o azar…. Por isso, continuamos dormindo trancados.
    Abraço,
    Catarina

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