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Versão da Catarina

A regra para andar com segurança entre as pedras das cachoeiras de Tremembé é pisar nas escuras, porque as pedras claras estão impregnadas por lodo, que escorrega. Levar um tombo ali é uma encrenca das grandes, pela dureza do chão, e a distância de qualquer socorro médico. Digo isso pela experiência de ver o Dorival escorregar, que se seguiu de uma bronca da minha parte, depois que verificar que tudo estava bem. Cachoeira-de-Veneza
A natureza do local parece intacta, explodindo em vida. Há muitos pequenos animais e ninhos de passarinhos, estes feitos em locais baixos, como se ninguém fosse passar por ali.
Quem vê a cor da água no fosso que se forma logo abaixo da Cachoeira de Veneza pode imaginar que ela esteja suja, ou poluída, pelo tom marrom escuro, mas não está, cheira bem e não há lixo, ou poluição, por perto. Quero crer que a coloração decorra do grande volume de folhas em decomposição, originárias da mata à volta, e do mangue. A água que desce também tem coloração “barrenta”, com pequenos pedaços de folha.
Para aproveitar tanta fartura de água fomos lavar roupa lá, como fazem os nativos, isso sim, uma aventura! Levamos baldes, bacias, sabão em pó, amaciante, âncora para prender o bote na pedra e aquela disposição! A roupa sai meio amarelada, mas limpa; fica para ser alvejada no futuro.
Mais uma vez, apenas nós na ancoragem. Por vezes, passavam pescadores em canoas, cantando, sossegados. Não ficamos receosos porque o lugar está bem distante de qualquer grande centro urbano, da violência a eles inerentes, e os que ali vivem têm sua subsistência, plantam sua roça, pescam, criam porcos e galinhas. E cantam… Mas tomamos nossas precauções, e dormimos trancados. 
Estou para ver céu tão bonito, com tantos tons diferentes no entardecer.
Depois de alguns dias em Tremembé, voltamos para a ancoragem de Maraú, para abastecer o barco com alimentos e água mineral. Essas pequenas localidades, quase rurais, têm sua lógica própria, que é diferente das cidades maiores, e a que estamos acostumados. Veja só: em um dia útil, no meio da semana, por volta das 16:00 hs, fomos à única padaria da cidade, que só abre à tarde. Ao me ver, o dono fez sinal de negativo com o dedo, então perguntei: “O pão não está pronto?” E ele respondeu: “Pronto, está. Só não está assado”. E me mandou voltar mais tarde. A colocação me pareceu tão descabida, que achei engraçado. Situação parecida aconteceu no açougue, cujo dono respondeu: “Carne tem, mas acabou.”.
Maraú-1
Conclui que, numa cidade que serve a área rural, o importante é ter pão fresco para o café da noite, e os outros produtos para os dias de feira, quando os barcos de passageiros trazem pessoas de diversas localidades, para vender e consumir. Tudo o mais, está fora do interesse local.
Eles não imaginam que, para sairmos do barco para a terra, há todo um ritual de observar a maré, a correnteza, colocar o bote na água, o motor no bote, trancar tudo, verificar se não esquecemos nenhuma gaiuta aberta, por conta da chuva, lembrar das chaves todas, do filtro solar, do chapéu, etc…
Não tenho nada a reclamar: o lugar é tranqüilo, não tem ocorrência de pirataria, as pessoas são amáveis, então, está tudo ótimo. Só é um outro mundo, dos que “tem, mas,  de fato, não tem”. Consegui meu pãozinho quentinho, em outro horário, e peixe para substituir a carne.
De Maraú, seguimos para ancorar próximo à Ilha dos Tatus, ainda no Rio Maraú. Lugar abrigado, calmo, com várias prainhas próximas, boas para caminhar e nadar.
Conseguimos peixes e bananas com um casal que toma conta de parte da Ilha dos Tubarões, e produz azeite de dendê no local. Ali ficamos sem sinal de internet, TV, nem de telefone celular.
A temperatura da água chegava aos 31ºC, delícia para nadar, mas ruim para os alimentos guardados nos paióis que ficam abaixo da linha d’água. Se tivesse, usaria um o ar condicionado, nessas horas, e como usaria!
Para navegar por ali é bom ficar esperto, porque o lugar está cheio de pedras, e bancos de areia, não levantados pela Marinha. Nós mesmos demos um totózinho numa pedra, andando de bote.
Voltamos para a Ilha do Campinho, na boca da saída da baía, para aguardar a oportun
Ilha-da-Pedra-Furada-2idade de seguirmos para Itacaré. Agora, a maioria dos barcos é de franceses, alguns conhecidos nossos, do Tenab. Fomos novamente à cidade de Camamu, e dessa vez, tudo deu certo: não tinha tanta gente, por ser um dia de semana comum, não faltou energia, encontrei de tudo na feira ou no supermercado, com qualidade e preço bom, e o vatapá que comemos no almoço estava divino. Já aprendi a fazer compras com a embarcação que nos leva, é ir comprando e levando para o barco: eles marcam seu nome nos pacotes, e ninguém mexe nas suas coisas. São tão cuidadosos que avisaram que o Dorival tinha deixado a carteira cair, e guardaram uma bolsa com compras, que os dois “cabeças de pudim” esqueceram, ao desembarcar. 
Vamos esperando por aqui, sem vontade de ir embora. Até lá, brincamos de nos jogar na água segurando um cabo, como me ensinou uma criança, que conhece essa ancoragem. E tem que se segurar mesmo, porque a correnteza leva embora, se bobear. Nem bronca traz o sujeito de volta. Então, “bora” prestar atenção, rapaz!

 

 

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Versão do Dorival

Ancoramos cerca de 1,5 milhas da Cachoeira de Veneza, que fica em Tremembé. O canal de acesso é bastante raso. Na maré baixa de sizígia, até bote encalha. A natureza é bem conservada, e os caminhos na mata são bonitos e agradáveis. Maraú-2
Assim que chegamos na cachoeira, prendi o bote com a âncora nas pedras, descemos, e logo apareceu um menino muito ágil, caminhando pelo meio da cachoeira, mostrando-se seguro de que não iria escorregar nas pedras. Nessa hora, eu já tinha sido vítima de um escorregão. Esse menino se aproximou e ofereceu seus serviços de guia, dizendo conhecer um caminho que não teria perigo de escorregar. Agradeci, porque não pretendíamos ficar ali muito tempo. Então vi que o tal caminho são trilhas na mata, que margeia a cachoeira, fácil, não tem como escorregar. Mas há um outro truque: pise nas pedras que se mostram escuras, na borda, onde a água cai. Existem mais de um menino-guia na cachoeira, todos trabalham captando clientes para um restaurante que fica ali perto. É um trabalho que, se bem feito, merece sua paga.
No entardecer, aparecem dois bandos, um de papagaios e outro de pássaros brancos, que não identifiquei. Os bandos se misturam no ar e pousam todos em um pequeno conjunto de árvores de mangue, que formam uma pequena ilha, no máximo, com trinta metros de diâmetro. O lugar é pequeno para acomodar todos eles, então brigam, fazendo o maior barulho. Quando a luz cai, eles se acomodam e dormem todos ali apinhados. De manhã, vão embora. 
Saímos desse paraíso e fomos para Maraú, comprar víveres na feira de sexta. Dessa vez, Maraú estava quieta, a festa acabou e os palcos foram desmontados. A feira estava mais pobre, mas foi possível comprar algumas coisas. Fizemos bons passeios pela cidade, que está limpa, não se vê lixo nas ruas.
Nossa próxima ancoragem foi na Ilha dos Tatus. Ficamos sós, em frente a uma praia muito boa para nadar. Essa praia está sendo erodida, paulatinamente; todos os coqueiros plantados na sua orla estão sendo derrubados pelo rio. Ilha-dos-Tatus
Logo que chegamos, fomos passear de bote até a Ilha dos Tubarões, mas a maré descobriu uns 100 metros de lama até a praia, o que me desanimou de descer. Então, fiz um sinal de “tchau” com as mãos para um pessoal na praia, e voltamos para o Luthier. À noite, estávamos apreciando o por do sol na proa, quando apareceram dois pescadores remando uma canoa dessas de um pau só. Perguntei se iam pescar e desejei boa sorte. Um deles agradeceu e disse: “você foi até lá perto e não desceu?”; argumentei da lama e falei que iria lá no dia seguinte, com a maré cheia. Ele respondeu: “tá bão, amanhã nos vemos de perto”. Nunca tinha ouvido uma resposta dessas. No dia seguinte, fomos até lá; ele fala mais que eu, e não se entende metade do que ele diz, também parece que ele não entende metade do que dizemos. Mas foi muito cordial, nos mostrou a ilha e compramos peixes e bananas por um preço justo.
Voltamos para a ancoragem em frente à Ilha do Campinho. Novamente, tomamos um barco local para ir até Camamú. A cidade também estava muito mais tranquila. A feira, mais limpa, estava com poucas coisas porque algo atrasou a entrega.
Fomos até a Ilha da Pedra Furada. Há várias pedras furadas lá, uma grande, outras menores, e até as pequenas, muitas, espalhadas na areia, em sua maioria são furadas também.
Desta vez estou mais “light”, não estou reclamando tanto. Na verdade, estou um pouco chateado, porque saindo daqui, eu realmente estou começando a voltar para o Sudeste, o que é bom, mas está me dando muita saudade da Bahia. Dá vontade de voltar para Salvador. Ilha-da-Pedra-Furada-1
Há um dilema nisso tudo também: já estou com vontade de navegar em mar aberto. Gosto das velejadas e das fainas de bordo, cuidar das velas, da navegação, observar nuvens e tentar prever o tempo, ver o céu estrelado e os navios que passam ao largo, procurar os pescadores e seus equipamentos, ficar atento ao rádio e com dó de acordar a Catarina na troca de turnos. Gosto de passar o tempo sintonizando rádios e tentando ouvir notícias, ficar pensando nas melhorias que gostaria de fazer no barco, imaginar como será o reencontro com os amigos de Ilha Grande e de familiares.
Agora iremos para Itacaré, que fica 35 milhas ao sul da Baia de Camamu. Vou preparar a navegação, programar os GPS, e ficar de olho na previsão do tempo, para achar uma boa janela de vento NE, que nos leve até lá.
Nossa passagem pela Baia de Camamu foi muito divertida. O grande destaque foi ficar na água preso ao barco por um cabo, sendo arrastados pela correnteza da maré enchendo ou vazando. Uma delícia.

2 Responses to “Luthier – Tremembé ao Campinho”

  1. Manu disse:

    Olá Catarina e Dorival,
    parabéns pelo barco, pelas viagens e pelo blog tão legal de vocês!
    Estávamos aqui lendo suas aventuras pela baía de Camamu, e me deu a maior saudade! Moramos na Australia agora, mas somos baianos e costumávamos passar todos os carnavais na baía de Camamu, ancorados em Goió “sendo arrastados pela correnteza da maré enchendo ou vazando…”!! Êeee saudade!! :)
    Curtam bastante Itacaré! E se puderem, vão a Cumuruxatiba, Corumbau e Santo André, são praias maravilhosas também.
    Ficamos sabendo do Luthier e das aventuras de vocês por que estamos do lado de cá do mundo pensando em construir o nosso barco também, e o Samoa 34 é um dos barcos que estamos “namorando”…
    Um grande abraço,
    Manu, Leo e Chico.

  2. Dorival e Catarina disse:

    Olá Manu, Leo e Chico.

    Bem-vindos a bordo do Luthier!
    Agradecemos os elogios.
    Sabemos bem porque vocês estão com saudades da Bahia.
    Já estamos em Santo André, em breve vamos relatar nossa passagem por Itacaré.
    Desejamos a vocês boa sorte na escolha do modelo e na construção do barco, se assim vocês decidirem. A construção é gratificante, instigante, penosa e demorada, mas é verdade o que diz um amigo nosso: “um dia acaba, e bastam duas semanas velejando para esquecer a parte ruim”.

    Abraço,
    Dorival e Catarina

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