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Versão da Catarina

Em Natal/RN, pudemos descansar da viagem de volta de Fernando de Noronha, ancorados no Rio Potengi. Lá, éramos brindados por um vento constante, que aliviava o calor. A correnteza no rio é animal, na maré vazante parecia que estávamos navegando, com tanta água passando pelo casco, transportando folhas das margens a cerca de 5 nós.Ponte de Natal
Muitas vezes, acordávamos, logo ao amanhecer do dia, com um FÓÓÓÓÓÓ: a buzina dos navios rumo ao Porto, anunciando manobras, passando a menos de 200 metros dos barcos ancorados. Cada monstro, digo máquinas incríveis, e suas equipes monstruosas! Por baixo d’água, ecoava o barulho dos hélices, antes mesmo da passagem do navio. O movimento do porto é grande, não é pouca coisa que se transporta pelo mar, saindo dali.
O Iate Clube de Natal oferece apoio aos navegantes com instalações de banheiros, restaurante, água e diesel, e nas redondezas há um bairro com pequenos supermercados, padarias, peixaria e comércio local.
Por conta das longas distâncias para acesso às praias da orla, aos prédios históricos, e a outros pontos turísticos, dividimos uma condução com um casal de espanhóis de um catamarã, ancorado ao nosso lado, e fomos conhecer um pouco da cidade. Na Praia de Ponta Negra avista-se uma duna, tombada pelos órgão ambientais, e há hotéis e pousadas à beira-mar; no caminho da orla, algumas outras dunas, que ainda estão tombadas, com vegetação rasteira e alguns cactos. Tivemos muito assédio de vendedores e repentistas na Praia de Jenipabú, alguns deles inconvenientes. Uma das atrações selecionadas por nosso guia foi um cajueiro que ocupa uma grande extensão de área; o motorista disse, no entanto, que o caju ali vendido hoje vem do Estado de Minas Gerais, que o de Natal é menor, mais amarelado, e ainda não estava na época de frutificar.
catarina e o cajueiro
Uma ocasião, foi mais fácil para os espanhóis entenderem o que o motorista falava, que nós próprios. Ele disse que em Natal era preciso “arengar” com os vendedores, que significa “brigar”, pechinchar, negociar o preço, tendo o mesmo sentido em espanhol.
Esse casal de espanhóis nos disse que comprou o barco faz pouco tempo, e mudou seu nome original, prática que eles sabem ser condenada, pois pode trazer má sorte. Para driblar o eventual azar, deixaram um tapete que traz o antigo nome, e deram algumas voltas ao redor dele, antes de usá-lo. Parece até um ritual indígena mas, quem não tem superstição? O comandante do Acauã nos contou que, durante uma expedição com 4 pequenos catamarãs, ao tirar a foto antes da partida, colocou a mão, inadvertidamente, na bunda de uma estátua de Netuno, e que não deu outra, o “desrespeito” resultou na quebra de todos, todos os barcos. É por essas e outras que não saímos de viagem às sextas-feiras.
No dia 08/10 saímos rumo à Cabedelo/PB, após consultar as previsões, que mostravam uma pequena janela de tempo, que nos convinha. Viagem tranquila, principalmente depois de passar a Ponta Negra e a Ponta da Tabatinga, em que o mar, dizem, é costumeiramente mais calmo. Chegamos no nosso destino no raiar do dia seguinte, sentindo o perfume exalado pela terra, e com 100% de atenção para a barra do rio, por conta das várias bóias que guiam a entrada, e dos bancos de areia, todos anotados na carta náutica, algumas em posição diferente, mas informadas nos avisos aos navegantes.
Fui recebida com um “bonjour” na marina da Praia de Jacaré, enquanto passava o cabo para atracação; acho que eles não viram a bandeira do barco. Os donos são franceses, e a marina está, em sua maioria, ocupada por barcos franceses. Por sorte, uns poucos falam inglês. Barra do Potengi
A natureza das ilhas próximas ao Rio Paraíba está bastante preservada, sem construções, com muitos manguezais e pesca artesanal. As praias urbanas de Cabedelo e João Pessoa também estão incrivelmente preservadas: há uma larga faixa de areia, onde se vêem pedaços de algas e de corais, seguida por faixas de vegetação rasteira e coqueiros. As construções ficam do outro lado das avenidas principais, com prédios de poucos andares.
No dia seguinte à nossa chegada, assistimos a uma competição de Hobby Cat na praia de João Pessoa, cenário lindíssimo, tendo por fundo o plácido mar verde-limão. Terminamos o dia comendo amendoim torrado, com casca, e rubacão, uma comida típica daqui, com nossos amigos do Acauã, na sede do Iate Clube. Nesse lugar se respira vela, efetivamente: vários campeões e ex-campeões reunidos, em diversas categorias de barcos à vela.
Fizemos um passeio totalmente diferente, proporcionado pelo Joca, do Acauã: fomos de Hobby Cat do Iate Clube até as proximidades do Cabo Branco, próximo à Ponta Seixas, a mais oriental do país, primeiro lugar onde nasce o sol no Brasil. O barco parece que anda sozinho, aliás, já sai andando, como um desvairado, com qualquer ventinho. Você fica por cima de uma tela conduzindo o leme e ajustando as velas, levando jatos de água quente do mar o tempo todo. A integração com a natureza é total. Dormi como um anjinho.
Vamos ao estômago: aqui se serve feijão de fava ou o verde, com farinha de mandioca. A comida é boa e barata, com variedade de peixe e frutos do mar. Os bolos, de rolo ou aipim, as broas e as cocadas de forno são um capítulo à parte, Forte dos Reis Magos - Nataltodos deliciosos. O abacaxi e o melão são um mel só, a preços nunca vistos no sudeste. 
E agora, às letras: você sabe o que significa um homem “descuidista”? Não, não é um descuidado, mas aquele que se aproveita do descuido alheio. Já tinha ouvido falar desse sujeito na Bahia, e agora em Cabedelo/Paraíba. Um “cabra” desses está em extinção em São Paulo, por lá não esperam o descuido de alguém, não, vão logo assaltando, à mão armada. Outra: aqui sou “galega”, e se vêem muitos outros “galegos”.
Tenho que confessar, depois de alguns meses a bordo, estou ficando com umas manias: não gosto da insistência de vendedores, de produtos ou idéias, que não me interessam. Nem que queiram me obrigar a fazer o que não quero. Nem da política de grupos de pessoas. Estive olhando os meus dedos das mãos, por esses dias, e me parece que a membrana, digo, a pele, entre eles, está crescendo. Será que estou virando um bicho do mar? Livre

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Versão do Dorival

Em Natal, fomos recebidos pelo Iate Clube, que oferece aos visitantes boas poitas, localizadas em frente ao clube e a uma área pertencente ao Exército. Além da poita, também se usa o ferro para ajudar a segurar o barco durante a vazante da maré. A correnteza é muito forte.
Logo depois que se entra no rio Potengi, passa-se por baixo de uma ponte muito alta, que pode ser vista a 20 milhas da barra. A barra é sempre bastante agitada, especialmente quando sopra um SE forte.Saindo de Natal
Em Natal, visitamos o Forte dos Reis Magos, que está muito bem conservado. Já as praias da cidade, Ponta Negra e Jenipabu, estão sofrendo de ocupação desordenada, falta de árvores, e pelo avanço do mar. Um pesqueiro da Nigéria teve problemas no motor e, segundo a declaração dos tripulantes, ficaram no Atlântico à deriva até encalhar na praia de Búzios em Natal. Achei um pouco difícil de acreditar. Tiveram muita sorte (será?) porque três milhas mais ao norte e teriam batido em corais.
A saída de Natal para Cabedelo foi planejada seguindo a rotina anterior às regatas. Lá estava eu, todos os dias, olhando os diferentes sites de previsão meteorológica, me perguntando se eu sairia hoje.
Para previsão do tempo, utilizo alguns sites (Ugrib, Buoyweather, IMPE, LAMMA, etc..) e, as Cartas Sinóticas e a Meteomarinha da Marinha do Brasil. Algumas dessas fontes fornecem a previsão de vento e ondas baseadas em modelos matemáticos, já em outras, Marinha e Climatempo, há interferência de meteorologistas na elaboração das previsões.
Apesar de todas essas fontes de informação, temos ainda que ajustar nossa percepção ouvindo o pessoal local. Quando todas as fontes coincidem no resultado apresentado é fácil, o problema é quando as informações são discrepantes ou nada tem a ver com que observamos na ancoragem. Desde que saímos de Salvador as previsões têm sido certeiras.
Depois de 3 dias descansando e participando de festas, passei mais 5 dias olhando aquela previsão de mar de 2,5 metros SE, com vento de 15 nós SE estável. Orçar contra ondas é chato demais, ainda mais nessas condições.
No dia 7 de outubro, as coisas começaram a se modificar, eu via o mar lá fora mais calmo, e o vento mais fraco já rondava para E. No dia 8, amanhecemos com um vento E de 8 nós, e ondas de 1 metro, que coisa boa, resolvemos sair. Para chegar em Cabedelo de dia, calculei que devíamos sair às 13:30 hs, estimando velocidade média de 5.5 nós, levaríamos perto de 20 horas. Tomamos café da manhã, preparei o barco e fui até a marina me despedir do pessoal e anotar a saída no livro do clube.
Algumas pessoas do clube, e alguns tripulantes de veleiros visitantes, não gostaram muito da nossa “saída repentina”. Se eu desagradei alguém com isso, peço desculpas, mas o Luthier é assim mesmo, está sempre pronto para partir, não porque tenhamos pressa para chegar a algum lugar, mas se dá vontade e as condições do tempo estão boas, vamos, é só isso, puro exercício de liberdade. pesqueiro na praia de búzios
Aliás, se nós sairmos, e o mar estiver de mau humor, voltaremos. Não saímos com previsão de mar ruim e ventos desfavoráveis.
Havia previsão de vento E, 10 nós, e ondas de SE, 1,5 metros por dois dias, e mar de 2,5 metros de SE e ventos também de SE de 15 nós logo depois, durando 5 dias. Os locais e outros navegantes que conhecem a região me disseram que essas condições de mar e de vento são típicas nessa época, ou seja, pequenas janelas para descer a costa até Cabedelo. Um outro veleiro resolveu sair de Natal 3 dias depois de nós, bem no meio da previsão de ondas altas e ventos fortes vindos de SE. Além de terem uma travessia extremamente desagradável, tiveram avarias.
Saímos na hora planejada. Passada a barra do Rio Potengi, adotei um rumo SE velejando com través apertado, 30º com o vento aparente, com a mestra no primeiro rizo e ajuda do motor. O vento era fraco, 8 nós em média. O vento estava mais para ESE do que E. 10 milhas fora da foz do rio o mar já estava bom, 1 metro em média, com ondas de ESE. Seguimos assim, afastando da costa, até o anoitecer. Quando já estávamos a 20 milhas da costa, adotei um rumo paralelo a ela que nos permitiu velejar com vento aparente de 45º (o vento já estava E conforme previsto), com ondas de 1 metro, fantástico, muito confortável. Desliguei o motor e passamos a noite toda velejando a 6 nós, com a mestra no primeiro rizo e toda a genoa aberta.
Durante a noite, avistei muitos pesqueiros, todos a meu boreste, sem problemas. Luthier Catarina e Dorival em CabedeloAvistei também um navio onde as duas luzes de mastro pareciam na mesma altura, dificultando distinguir qual era de proa e qual de popa e não era possível avistar as luzes de navegação.
Nosso rumo era de colisão, mas estávamos distantes ainda. O céu estava limpo, e a lua iluminava tudo, e por isso, o radar estava desligado. Liguei o radar, marquei a posição dele, e verifiquei novamente depois de 6 minutos. Com isso, pude determinar o rumo e velocidade do navio. Decidi por mudar o meu rumo 2º para boreste, o suficiente para passar sem problemas pela popa dele. Só pude avistar as luzes de navegação quando estava a uma milha do navio.
Quase no través de Cabedelo, mudei o rumo para seguir direto para a bóia 2 do canal de entrada do porto. Navegamos mais rápido que o previsto. Com vento de alheta, reduzi os panos para fazer a aproximação a 4 nós e chegar na bóia com luz do dia. Chegamos tranquilos na Praia do Jacaré em Cabedelo. Estamos no cais de uma marina que pertence a um francês.

2 Responses to “Luthier – De Natal a Cabedelo”

  1. Sacioz disse:

    Essa foi muito estranha ; precisar da permissão de terceiros para largar os cabos . Como falou a Imediata , certas coisas te dão raiva mesmo !!

  2. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Caro Sacioz, bem-vindo a bordo.

    Após alguns meses cruzeirando, já vimos e ouvimos muitas coisas estranhas. Estamos aprendendo a não ligar para nada disso.
    Dependendo do assunto até rimos muito.

    Abraço
    Dorival e Catarina

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