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Versão da Catarina

Tem razão a “Família Dinossauros”: a geladeira foi uma das melhores invenções do ser humano e merecia um dia de festa, só para ela.
Em um veleiro como o nosso, os recursos são limitados, é difícil adequar espaço, ou energia, para manter uma geladeira como a de uma residência, e colocar nela tudo o que se possa imaginar, de pão e ovos a cremes faciais; aí entram os alimentos com conservantes. 
O pão que conseguimos aqui em Santo André, e mesmo em Santa Cruz Cabrália, é feito em pequenas padarias, incluindo o de forma, comprado no mercado da cidade, sem conservantes. No terceiro dia após a compra, e ainda na validade indicada, ele apresentava grandes bolas azuis, de bolor. Perigo alimentar a bordo! Fiquei com saudades do pão produzido em escala industrial, com conservante, que se compra em cidades maiores; mesmo nesse calorão, eles aguentam mais tempo, sem estragar.
É certo que o alimento fresco é melhor para a saúde, mais saboroso, mas também é bom para a saúde comer pão sem bolor, e molho, ou conserva, sem botulismo, ou Salmonella, não é mesmo? Santo-André---Ancoragem
Já faz alguns dias que estamos em Santo André, esses últimos mais calmos, até já acordo no meio da noite sem aquela sensação estranha, de que o barco está à deriva no canal; mesmo assim, levanto, olho lá fora, e confirmo a nossa posição no GPS, para ter certeza do que estou vendo. Tudo isso porque, nos primeiros dias em que estávamos aqui, pouco tempo depois de termos ido nos deitar, escutamos um forte barulho de vento e chuva, por volta da meia noite. Enquanto o Dorival fechava as gaiutas, eu olhei para o lado de fora do barco e vi que estávamos indo em direção ao píer.
Tínhamos ancorado, com duas âncoras, em frente ao píer de uma propriedade particular, e naquela noite, com as rajadas de vento de 35 nós, a âncora de popa se soltou e o barco foi sendo “empurrado” em direção à terra. A partir daí, uma correria se seguiu. Saímos depressa de dentro do barco, do jeito que estávamos, na verdade, pelados. O Dorival pulou no píer e eu fui desamarrando e passando as defensas, depois, os cabos para amarração. Eu tremia com a chuva gelada, e de susto. Depois de preso o barco, fui pegar nossas roupas de banho, porque o restaurante perto dali ainda tinha clientes, e eu não queria dar escândalo. Então, o Dorival apareceu com a perna esticada, dolorida, pedindo gelo. Mas, que gelo? Não tinha posto gelo para fazer, e corri para pegar uma placa gelada, para aliviar. Ele tinha levado um escorregão, e até hoje tem uma bola na canela da perna.
Pois bem, tínhamos que recolher as âncoras, e sair dali. O vento já tinha diminuído, na verdade, ele passou rápido como uma assombração, e foi embora. E começaram as operações de atracação com duas âncoras. À noite, a falta da luz atrapalha, você não vê se o cabo, ou a corrente, estão esticados, e por aí vai… E assim foi até às 2 da manhã. Ao término das manobras, eu estava exausta e a adrenalina me causou muita fome, pensava em comer, sozinha, um leitãozinho assado, daqueles com uma maçã na boca. Mas já era tarde para sonhar e comecei a me conformar com uma sopa instantânea. Então, o cansaço venceu de vez e fui deitar com fome, mesmo. Na verdade, quem ceiou foram os muitos pernilongos que entraram no barco, com a confusão.
Pensou que acabou? Ainda não… Eram 5 da manhã do dia seguinte, quOdara-e-Catarinaando soou o alarme do GPS: estávamos garrando! E, de novo, novas operações para ancorar. Desta vez, escolhemos ficar longe do píer, qualquer problema, iríamos encalhar na areia. Até agora, não aconteceu de novo, mas estamos cheios de precauções: ficamos no barco a partir das 3 da tarde, com a chave do motor na ignição, a roupa de banho à mão, e sem nenhuma lona.
Do acontecido, uma conclusão sobre previsão de tempo: as moscas nunca mentem. Elas estavam elétricas naquele dia, querendo invadir o barco a qualquer preço, se debatendo, umas loucas. O barômetro também deu o recado: no fim da tarde, em algumas horas, caiu de 1015 para 1010 milibares.
Tiramos os dias seguintes para avaliar nossa posição e descansar. Colocamos a adrenalina para fora nas caminhadas pela longa praia de Santo André. Ela dá para mar aberto, tem uma água bem limpa e muito quente, de até 32 graus, onde se formam umas piscinas deliciosas na maré baixa, boas para relaxar.
Nossa companhia, nessas caminhadas, é a Odara, uma cachorra de pelo preto, bem cuidada, de uma Pousada, que resolveu tomar conta de nós. Ela nos defende dos caranguejos que se aproximam, de outros cachorros, de criaturas marinhas mortas, que chegam à praia, marcando o território a cada 10 metros, com seu xixizinho. Não entendíamos porque as pessoas nos olhavam com cara feia, quando passávamos com ela, aí nos tocamos, e começamos a avisar: ela é mansa, e não é nossa, não! Daquele tamanho, ninguém imagina que ela só queira brincar.
Esses bichos, quando de boa índole, são a melhor companhia que uma pessoa pode ter. Pena que durem tão pouco e, quando morrem, morremos um pouco juntos, também.Coroa-Araripe
E para relaxar, valeu o passeio até a Coroa de Araripe: nadamos de snorkel e nadadeiras entre os recifes de corais, cheio de peixinhos coloridos, até uma piscina onde estão os peixes maiores. O passeio tem hora certa para terminar, porque a maré começa a vazar, com risco de tocarmos os corais, o que é ruim para eles e para nós, pois estão cheios de ouriços. Na volta topei com uma moréia verde, se deslocando na direção contrária, correndo para se entocar, muito legal.
Eu ia falar pouquinho, mas não deu… Faltou avisar: estamos nos preparando para a viagem até Abrolhos, e, de lá, seguirmos para Ilha Grande, assim que as condições de tempo permitirem. Até as ondas de Cabo Frio baixarem dos 4 metros previstos para a região, não saímos. Não sabemos mais a data de saída, porque as frentes frias resolveram aparecer, uma após a outra. Não temos escolha, quem manda aqui é o tempo, então, nos falamos de novo de onde, e quando, ele permitir.

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Versão do Dorival

Logo que desembarcamos em Santo André, o simpático dono de um dos restaurantes da orla me avisou que estávamos ancorados no meio do canal, usado por muitas escunas e chalanas.
Mudei a ancoragem para mais próximo da praia, ficando a 40 metros, lado a lado, de um píer novinho. Para evitar que o barco gire com a correnteza da maré e o vento, usei uma segunda âncora na popa.Praia-de-Santo-André
Na terceira noite, aproximadamente meia noite, uma rajada de vento SE, que fez o gerador eólico roncar feito louco, empurrou o Luthier, arrastando a âncora de popa, até bater com força no píer. Sem outra opção, tratei de atracar o barco ao píer, colocando defensas. Mal acabei a amarração e tudo já estava calmo, sobrava apenas uma leve chuva. Embora tenha parecido uma eternidade, tudo se passou em apenas 10 a 20 minutos.
Aguardei mais um pouco e com tudo calmo fui avaliar o estrago. O choque com o cais arranhou um pouco a pintura, e arrancou uma rodela de tinta de uns 5 cm de diâmetro expondo a fibra de vidro, que reveste o casco de madeira.
Saímos do cais, ancorei praticamente no mesmo lugar e fui dormir, inconformado. No dia seguinte, mudamos a ancoragem para um outro ponto onde, se garrar, no máximo vamos encostar a quilha no fundo de areia. Com luz do dia, e já conformado, eu acabei ficando feliz em ver que, apesar da pancada no píer, só houve a pequena descascada. A pintura descascou porque, na posição onde houve o choque com o píer, tinha um milímetro de massa. A fibra de vidro nada sofreu, permanecendo selada, e sem amassados no casco.
Viajando da forma que estamos, esses pequenos acidentes são normais. Certamente foi um daqueles CBs que chegou com força e logo foi embora. No mar são chamados “Pirajás”. O interessante é que, quando estamos navegando, essas nuvens são bem fáceis de identificar, e podemos diminuir velas, mudar rumo, passar ao largo, ou lidar com elas, com facilidade. Ancorado, não há o que fazer, e sempre se é surpreendido, especialmente à noite. Naquela noite, acho que fomos arrastados pelo forte vento de lado. Desde então, toda noite retiro as lonas que usamos durante o dia, para proteger do sol.
Fora esse ocorrido, Santo André é muito calma, aqui não teve carnaval. Durante o dia víamos as escunas e chalanas passarem lotadas, levando turistas até os bancos de coral, e a praia. Chalana
Quando voltam, passam bem perto do Luthier, para ancorar no píer de um restaurante. É um movimento incrível de escunas. A cada 15 minutos para uma, que logo sai para que outra encoste para desembarque, e logo depois a dança se repete para embarque.
Fomos algumas vezes até Santa Cruz Cabrália, sempre a pé. A estrada até a balsa que faz a travessia do rio tem uma boa calçada e uma ciclovia. São 2,5 km. Difícil é lidar com o sol forte.
Todo fim de tarde, na ultima meia hora antes do pôr do sol, os papagaios, ou maritacas na opinião da Catarina, migram do continente para o mangue, que fica junto à barreira de corais. O que me chamou a atenção é que eles fazem isso em grupos. Inicialmente, alguns levantam vôo, e logo são seguidos por um grupo de uns quarenta pássaros. A um terço do caminho, uns dez desistem, e voltam para árvore de onde saíram. Um novo grupo só parte depois que o anterior já chegou no mangue e, novamente, alguns sempre desistem. Toda a migração é feita em uns 15 grupos, mais ou menos. Claro que toda essa operação é anunciada por uma tremenda gritaria, feita pelos pássaros que vão mais na frente.
Fizemos um passeio até os Recifes Araripe em uma traineira pilotada por um famoso prático aqui da região, de nome Carlindo. Ele nos levou até uma coroa de areia que fica totalmente à mostra, e até uma piscina no meio do coral. Esse lugar fica 40 minutos depois da Coroa Alta, aonde vão asRecifes---Entrada-de-Santo- escunas que saem de Cabrália. Só nós, e três outras turistas de São Paulo fomos até lá. Talvez pela pouca intensidade de visitas, o coral está bem preservado. Vimos muitos peixes coloridos, ouriços e, o que me deixou contente, foi ter visto, na piscina, vários corais cérebro, vivos, pequenos ainda, do tamanho de uma bola de basquete.
A vida aqui em Santo André está muito boa, mas temos que estar no Sudeste nos primeiros dias de março, por diversas razões. Logo sairemos daqui com rumo direto para a Baia de Ilha Grande, com uma parada de dois dias em Abrolhos. A data da saída depende da previsão do tempo.
Pois é, logo vamos ancorar na Enseada do Abraão, onde começamos esse cruzeiro até o nordeste.

6 Responses to “Luthier – Santo André”

  1. Christina disse:

    Oi Catarina
    Vai ai uma dica para o pão sem conservantes não embolorar: deixe o pão em local fresco, abrigado de luz (coisa difícil num barco) e com a embalagem aberta. Quando a embalagem fica fechada, com o calor, a umidade dentro, condensa e isso ajuda a diminuir a vida útil do pão e alimenta o bolor.
    Deixar os pães abertos faz com que eles fiquem secos, ai o jeito é fazer umas torradas.
    Estaremos na ilha grande por todo mês de março, nos vemos por lá!!!
    Bons ventos e inté
    Chris

  2. Dorival e Catarina disse:

    Chris,

    Obrigada pela dica, vou tentar.
    Nos vemos na Ilha Grande.
    Bons ventos por aí também, sem raios, nem tempestades.
    Até lá,
    Catarina

  3. conde disse:

    Vou arriscar um pouco ao dizer isto mas….as vossas preocupações , no tipo de navegação que estão a fazer, são talvez maiores do que se navegassem em mar aberto. Não podem pedir no “pier” ( esta expressão não se usa em Portugal) se o podem utilizar por uns dias, mesmo sendo particular? ou não podem lançar um cabo a uma árvore?
    Foi curiosa a referencia ao Leitão assado, por pouco esqueci que são Brasileiros e estão no Brasil, é que por aqui o Leitão assado é muito apreciado, havendo uma localidade perto de Fátima (Bairrada) que é conhecida pela forma exclusiva como assa o Leitão, o famoso leitão da Bairrada.

  4. Dorival e Catarina disse:

    Caro Conde,

    Não pudemos ficar naquele “pier” porque ele estava sendo muito usado, durante o dia, para embarcar materiais de construção para uma ilha fluvial próxima. De fato, não perguntei se poderia usá-lo.
    Realmente, a maior parte das dificuldades ocorrem nas ancoragens e marinas. Enfrentar 35 nós de vento, em mar aberto, não é fácil, mas há o que fazer para lidar com ele. O mesmo vento, ancorado, é um sufoco, porque não há muito o que fazer. Além de lidar com o seu barco, há o barco dos vizinhos, que podem vir para cima do seu.
    Meu avô, Seraphim, de Trás-os-montes, tinha o costume de criar porcos. Ele me fez, quando eu era criança, matar um leitão para a festa de aniversário de alguém.
    No Sudeste escuto muito o uso do têrmo “pier”, como referência ao cais, palavra esta mais usada. No sul também se usa “trapiche”, e na Bahia, em muitos lugares, eles chamam “ponte”.

    Abraço
    Dorival

  5. Dorival e Catarina disse:

    Olá, Conde,

    Adoraria apreciar o famoso leitão da Bairrada, isso sim, seria a realização de um sonho.
    Que eu saiba, o leitão assado ainda é muito comum no Brasil, no Estado de Minas Gerais, no norte de São Paulo, e em pequenas comunidades rurais, espalhadas pelo país. É um prato mais elaborado, exige tempo e prática no preparo e, talvez por isso, em São Paulo, esteja perdendo para o churrasco de carne e a “pizza”, mas continua sendo o meu queridinho.
    Abraço,
    Catarina

  6. conde disse:

    Está combinado uma visita á Bairrada (Mealhada).

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