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Versão da Catarina

Nunca antes balancei tanto em mar como na ancoragem em Abrolhos, mais ainda que em Fernando de Noronha.
Quando saímos de Santo André, por volta de meio dia, o mar estava bastante calmo, talvez o menor mar que já pegamos, com vento leste suficiente para velejarmos a 6 nós, confirmando as previsões de tempo e mar favoráveis para a área, por vários dias. Por volta das 18:30 hs, sob as luzes de uma gorda lua, o mar foi aumentando, e as ondas ficando curtas.Abrolhos Rizamos as velas, e levamos o barco a 4 nós, durante muitas horas, para diminuir o desconforto, e não chegar em Abrolhos sem a luz do dia.
Na chegada ao Arquipélago, pela manhã do dia seguinte, pegamos uma poita na face sul da Ilha de Santa Bárbara, com o mar batido. Ao largo, alguns monocascos e um catamarã com pesquisadores. Muitos atobás vieram sobrevoar nosso barco, todos bem fortinhos, sinal de que bem alimentados.
Descansamos durante o dia e ficamos esperando a visita do guarda-parque, que iria nos levar até a Ilha Siriba, onde não se pode desembarcar sem acompanhamento. Na espera, ficamos admirando a formação das ilhas, de baixa altitude, com quase nenhuma vegetação e com muitos ninhos de pássaros.
No dia seguinte, amanhecemos com mais balanço de ondas, vindas de sul.
Logo nas primeiras horas da manhã, ouvimos uns gritos de criança. Corremos os olhos por todos os lados, procurando por um náufrago e, nada… Pouco tempo depois, ouvimos novamente os gritos, e começamos a olhar detalhadamente para todos os lados, inclusive o de terra, quando avistamos pequenas cabras pastando na ilha. Pronto! Era isso…
Nesse mesmo dia, eu ainda estava lavando a louça do almoço quando, pelo rádio VHF, um francês pediu ajuda para soltar a sua âncora, que teria ficado presa nas pedras. O Dorival avisou o guarda-parque, que pediu a ele, e aos mergulhadores do catamarã, para ajudar o cara, pois na Ilha estavam entretidos com a faina de restabelecer a energia, que tinha ido para o saco.
Assim que o Dorival saiu em socorro ao francês, as ondas foram aumentado de tamanho, alimentadas pela maré alta, indo arrebentar com força numas pedras colocadas na praia, pelo homem ou pela natureza, não sei dizer. Pareceu-me que estávamos perigosamente pertos daquelas pedras, e comecei a pensar que, caso o cabo da poita arrebentasse, o barco iria rapidinho em direção a elas, e eu iria precisar dar avante no motor sozinha, sem ajuda para ver o cabo da poita, que poderia se enroscar no hélice. Em meio às minhas preocupações, fiquei aliviada quando vi o Dorival chegando. Saímos logo dali, para ancorar na face norte da Ilha; outros barcos já tinham ido para lá. Só de sair navegando, o balanço melhorou. Vista-do-Farol-de-Abrolhos
A situação do outro lado da Ilha não era tão ruim, mas por pouco tempo: no dia seguinte, os dois lados estavam igualmente terríveis para ancoragem. Perdi a conta de quantas vezes bati os joelhos, me segurei para não cair da escada, ou precisei segurar talheres, copos, e tudo o que mais queria cair.
Chacoalhava tanto ali, que o capitão do catamarã de pesquisa pediu arrego: chamou o guarda-parque pelo rádio e pediu para que ele acompanhasse sua turma numa visita à Ilha Siriba, para andarem um pouco e descansarem do balanço. Capitão sofre! Imagine só aquele pessoal todo se batendo dentro do barco, sem poder ler, fazer atividades que fixassem a vista, com o moral baixando… O Dorival também já tinha começado a me ouvir falar em ir embora, aquela situação estava minando minhas energias.  O que pega em Abrolhos é o fato de não podermos descer nas Ilhas, a qualquer hora, para descansar um pouco do balanço, como fazíamos em Fernando de Noronha.
Mesmo a visita à Ilha Siriba, precisa ser acompanhada pelo guarda-parque e, para desembarcar em Santa Bárbara, também se exige autorização prévia, com acompanhamento e tempo limitado. São as regras do Parque, para controle ambiental, por questões militares e de segurança.
O mais chato é que este lugar, paradisíaco para mergulho, estivesse com o mar tão batido, com a água turva, e muito material em suspensão. Que pena! Só deu para fazer mergulho livre, perto do barco. Mesmo com a turbidez da água, pudemos ver grandes peixes nas pedras da praia, e nos corais, como jamais vi em outros lugares. Disse o guarda-parque que a temperatura da água estava 3 graus acima da média, fato que diminui sua visibilidade. Ah, pudemos constatar que a pintura de fundo do barco está no osso, mama mia!
Eu sem energia, e a Ilha Sta Bárbara também. Lá se foi o nosso gerador emprestado, dar uma forcinha para os residentes não perderem os alimentos do freezer, e manterem a comunicação com o continente. À noite, as luzes começaram a ser acesas, aos poucos, e o pessoal da Ilha deu gritos de comemoração, quando conseguiu acender o farol. Esse pessoal faz o que pode, com o que tem, que não é muito. Farol-de-Abrolhos
No dia seguinte, pudemos desembarcar na Ilha Sta. Bárbara, e ver o farol ser aceso, no início da noite. Pudemos conhecer as “crianças” de lá, que fazem “béééé”. Sinceramente, achei que o capim delas é meio ralo, talvez tenham que introduzir uma ração balanceada para elas, se é que já não fazem isso, pois elas são muito dadas, e vem cheirar nossa mão, à procura de alguma coisa. 
Durante a noite daquele dia, a bateção aumentou, me deu a sensação de que o cabo da poita poderia realmente arrebentar, a qualquer hora, porque o vento soprava de oeste, e as ondas pegavam o barco de lado, ficando uma briga de para qual lado iria o barco, que ficava como um cabrito bravo. Já tínhamos decidido partir no dia seguinte de manhã, rumo à Caravelas, contrariando nossas expectativas anteriores, de ir direto dali para Ilha Grande, sem ter que voltar muitas milhas para terra.
O mergulho em Abrolhos ficou para a próxima. Estamos esperando nossa janela de tempo para sair para Ilha Grande, ou Vitória. Novamente, quem vai dizer o que fazemos é o tempo, sempre ele.

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Versão do Dorival

 

Quando saímos de Santo André, havia uma frente fria passando pelo Rio de Janeiro que, segundo a previsão, se dissiparia em alguns dias. Fomos para o Arquipélago de Abrolhos, com a intenção de aproveitar o lugar e, lá, esperar a melhora do tempo no sudeste, antes de iniciar a descida até a Ilha Grande, no Rio de Janeiro.
Nessa etapa, ficaríamos praticamente uma semana sem internet. Luthier-em-Abrolhos Um amigo nosso que, durante esse período, estaria a bordo do seu veleiro, ficou de nos passar a previsão do tempo todo dia, às 18:00 hs, pelo rádio (SSB). Logo que chegamos na Ilha, ele me avisou que a frente estava estacionária, e que uma nova tendência de ondas altas estava se delineando para a semana seguinte.
Chegando em Abrolhos, pegamos uma poita no lado sul da Ilha de Santa Bárbara. Logo veio a bordo o guarda do Parque Nacional, para nos dar boas vindas e explicar as regras do Parque.
Nessa ancoragem já havia ondas, e o barco mexia o tempo todo, me lembrando a ancoragem de Fernando de Noronha.
No dia seguinte, as ondas cresceram, nos obrigando a pegar uma poita no lado norte da ilha, onde estava bem mais calmo. Logo de manhã, soube que na ilha estava havendo uma pane elétrica generalizada. Eles dispõem de três geradores. Nesse dia apenas dois estavam operacionais, porque o terceiro estava sofrendo uma grande manutenção. Pois é, o motor de um parou, e o gerador do outro queimou. De três sobrou nenhum. Os militares da marinha, com auxílio do guarda-parque, trataram de, o dia todo, colocar o motor bom no berço onde estava o gerador bom. Essa era a única opção, porque os motores eram iguais, mas os geradores diferentes, sendo os seus berços incompatíveis. Durante esse período, o rádio, a internet, e a telefonia da estação funcionaram ligados a um Gerador Honda, emprestado do Luthier. Além disso, caso nosso gerador também apresentasse algum problema, tratei de carregar dois pequenos “no-breaks” deles, usando a energia que sobrava dos painéis solares do Luthier. Com o rádio e a internet funcionando, puderam pedir ajuda do continente e acertar o envio de material e assistência técnica. Lâmpada-e-lente-do-farol
No fim da tarde, e em tempo de acender o farol, eles terminaram de colocar o motor no gerador bom e puderam acendê-lo. Mas a geração de energia não era suficiente para tudo. O farol usa um conjunto de lentes que amplifica a luz alógena de 1000W, continuamente acesa, formando três focos. Esse conjunto de lentes tem que girar para que, nos 360 graus, um navegante veja a luz do farol passando a cada seis segundos. A energia não era suficiente para funcionar o motor que gira o conjunto de lentes. O farol ainda dispõe de um sistema antigo, que funciona com um peso que desce dentro de um tubo de ferro, que faz parte da estrutura central do farol. Esse peso faz o sistema de lentes girar. A cada duas horas, o peso tem que ser levantado novamente para que o sistema continue funcionando. Esse sistema é semelhante aos pesos dos relógios cuco de parede.
No dia seguinte, soubemos que o mar ia piorar e, então, resolvemos vir para Caravelas, mesmo porque, o vento que havia rondado para W estava forte, levantava o mar no ancoradouro norte também.
Na viagem para Caravelas, saímos a motor por uma hora, depois velejamos em uma orça fechada até umas 4 milhas das bóias da entrada do canal, quando o vento ficou completamente contra, com 18 nós, em média. O mar estava uma piscina, porque na maré baixa os bancos de coral absorvem toda a energia. Baixei as velas e liguei o motor, forçando o luthier contra o vento. O vento aparente chegou aos 25 nós. O gerador eólico roncava furioso, quando notei que os dois juntos, motor e gerador eólico, estavam colocando 14,9 V nas baterias do barco, muito acima dos 14,4 especificados como máximo pelo fabricante. Desliguei o eólico e a tensão caiu para 14,1V. Não sei dizer ao certo, mas estimo que essa situação durou mais de 1 hora.
Entramos tranqüilos em Caravelas e fomos descansar. A bateria, do tipo AGM, estava um pouco diferente do normal. Alguns dias depois, ela se mostrou infeliz e finalmente passou a armazenar não mais do que 50 Ah. Tive que improvisar uma bateria de caminhão para nos levar até Ilha Grande. Mecanismo-do-pesoAinda vou ter que investigar melhor porque essa alta tensão foi fornecida à bateria, mas já vi relatos na internet de que esses alternadores com reguladores automotivos podem causar esse tipo de problema. Vou repor a bateria, trocar o regulador do alternador e investigar o gerador eólico.
Fiquei chateado porque estava testando o desempenho dessa tecnologia de bateria. Até Abrolhos, 18 meses depois de entrar em serviço, estava funcionando como nova, com mais de 300 ciclos de recarga após descarga média de 50%.
Foi uma pena que o mar estivesse agitado em Abrolhos e a água turva. Mas, vou ter que continuar cruzeirando por aí, para passar lá de novo e mergulhar com águas claras.
Até a Ilha Grande.

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